Pouco antes de tomar
o caminho da cruz, a oração de Jesus ao Pai por seus discípulos presentes e
futuros é tocante e significativa; “para que todos sejam um” foi sua grande
ênfase, pois ele sabia que unidade seria uma das tarefas mais difíceis da
Igreja. A Igreja Primitiva já não mantinha uma uniformidade inicial muito
grande. Alister McGrath em “Heresia” afirma: “Embora seja correto falar
do cristianismo primitivo como uma tradição única, talvez seja melhor pensar
nele como uma rede complexa de grupos e indivíduos
que existiam em diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos. Esses
grupos procuravam relacionar a sua fé a esses contextos e expressá-la em termos
que fizessem sentido dentro daqueles contextos”. Essa “rede complexa de grupos e indivíduos” existente
em “diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos” diz respeito aos
diferentes povos que compunham o Império Romano no primeiro século, cada um com
suas características próprias e recebendo a mensagem do evangelho de judeus,
habitantes da Província da Judeia, que também havia sido integrada ao Império e
que também tinha seu contexto social, cultural e linguístico próprio.
Desde o ano
30 do primeiro século da Era Cristã, a Igreja de Cristo tem percorrido um longo
caminho, cheio de conflitos, perseguições, confrontos, e isto tem deixado suas
marcas. “O que faz de uma igreja uma igreja? O que é necessário para existir
uma igreja? Pode um grupo que se diz cristão tornaram-se tão diferente do que
deve ser uma igreja, que tal grupo não deva mais ser chamado igreja?” Estas
são indagações de Wayne Gruden, em sua Teologia Sistemática, 500 anos
após Lutero. Para Alister McGrath, seguindo o pensamento de Lutero e de
Calvino, “há dois e apenas dois elementos essenciais numa igreja
cristã: a pregação da palavra e a administração apropriada dos sacramentos”. Pensando
nos propósitos e nos ministérios da igreja, Gruden entende que uma Igreja
Cristã, com relação a Deus, deve adorar, com relação aos cristãos
deve edificar e com relação ao mundo deve evangelizar e exercer
misericórdia, mantendo esses propósitos em equilíbrio. O assunto é
polêmico e não se resolve apenas com poucas citações. Além das congregações
locais, chamadas por Earl Cairns de “organizações”, existe também o
“Organismo”, a Igreja de todos os tempos a ser arrebatada na volta de Cristo.
Alister McGrath afirma sobre o assunto: “Pode bem haver uma única
Igreja Universal, à qual pertencem todos os cristãos, porém há inúmeras igrejas
locais. Cada uma delas incorpora uma ideia distinta do que significa ser
cristão, frequentemente adaptando-se às especificidades de uma situação
cultural local ou tendo sido modelada por uma controvérsia cuja relevância teológica
e poder emocional definham a cada ano que passa”. Especificidades
de situações culturais locais e controvérsias teológicas e emocionais
têm modelado a formação de inúmeras igrejas locais, muitas agrupadas em
denominações, com diferentes declarações doutrinárias, como acontece com os
batistas, por exemplo.
Pode
haver unidade na Igreja Cristã no século XXI? Conforme narra Lucas em Atos,
perseverança na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas
orações; temor a Deus, levando-o a sério, com reverência, obediência e
respeito: estas eram características da Igreja no seu início. Como resultado
disso, havia prodígios e sinais e os irmãos faziam tudo com alegria, gratidão,
conquistando a simpatia do povo. O tempo passou, a Antiguidade foi sucedida
pela Idade Média, esta pela Modernidade e hoje vivemos uma fase posterior à
Modernidade. Cada era na história traz mudanças e elas têm reflexo na vida da
Igreja e de seus membros. Uma das mais difíceis missões deixadas por Cristo aos
seus seguidores foi a de “estar no mundo” e “não ser do mundo”. Eventos,
circunstâncias, linhas filosóficas, mudanças de cosmovisão são fatores que
reforçam o relativismo da vida humana, já que estamos diretamente relacionados ao
“aqui e agora”. Desde o Antigo Testamento, Deus apresenta-se ao seu povo como
“Eu sou”. O Novo Testamento afirma que Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e
eternamente. Os alicerces sobre os quais Cristo edificou a sua Igreja são
absolutos e imutáveis. A Pós-Modernidade vivida hoje diz não haver verdades
absolutas, mas relativiza tudo o que existe. Como acomodar hoje os “absolutos
de Deus” com os “relativos do homem” na ação de ser igreja? Os fundamentos do
evangelho não podem ser mudados, pois foram colocados pelo próprio Deus na
pessoa de seu filho Jesus Cristo. Ele é a Rocha, o alicerce da Igreja, que sustenta
o seu crescimento e resistência diante de perseguições e conflitos. A Igreja é
a Noiva de Cristo. A palavra “Igreja” (do grego “ekklesia”) significa “aqueles
que foram chamados para fora do mundo”, apontando para um povo separado para os
propósitos de Deus, que busca a santificação de vida. No Reino de Deus não
há menor nem maior. A obra é de Deus, não nossa. Somos todos cooperadores de um
único Deus que não faz acepção de pessoas. Somos cooperadores uns dos outros,
não concorrentes. A obra de Deus não depende somente do que sou e tenho, depende
essencialmente de Deus. Um semeia, outro colhe, mas a glória de tudo pertence a
Deus.
A
Reforma Protestante estabeleceu para o protestantismo o princípio do livre exame
das Escrituras. Em questões secundárias, não houve uniformidade na
interpretação de textos bíblicos. Lutero, Calvino e Wesley não concordaram
sobre pontos de menor importância. No entanto, foi o luteranismo que fez
a Alemanha culta e poderosa. Foi o calvinismo que deu uma coerente
organização às igrejas reformadas, com base intelectual para a sua fé. Foi o wesleyanismo
que acendeu o fogo espiritual do evangelismo na Inglaterra e salvou aquele país
do ateísmo e da anarquia. A denominação batista muito concorreu para o
estabelecimento dos princípios da liberdade religiosa e da fé pessoal em Jesus
Cristo. Há denominações e grupos evangélicos que atraem mais os intelectuais,
outras apelam mais para as emoções. Uns adotam um culto ritualista quem aprecia
solenidade nos cultos; outros primam pela simplicidade no culto.
Como
Igreja Cristã hoje, seja o nosso lema "unidade no essencial, liberdade
no secundário, amor em tudo". É a unidade na diversidade: unidade
no Espírito de Deus, mas diversidade em formas de ser igreja é parte do
desafio enfrentado pela Igreja no século XXI.