Procurando explicar como chegamos até aqui, dividimos o panorama da história da Igreja em apenas três eras. Nos primeiros três séculos, tivemos uma igreja perseguida pelo Império Romano, com prisões, sofrimentos e morte de muitos cristãos, mártires iniciais do Cristianismo. Sem grandes condições para organizar-se, a Igreja sobreviveu a essa era e expandiu-se grandemente, buscando atingir os “fins da terra”, conforme previsto por Jesus.
Com o advento de Constantino, no século IV, a Igreja deixou de ser perseguida. Este alívio, no entanto, se trouxe melhor situação social para o Cristianismo, acabou por dar início a uma igreja oficializada, que, por doze séculos, começou a incorporar a seus dogmas muitas práticas e conceitos trazidos do paganismo e mesclados com as verdades cristãs, perdendo assim a pureza do evangelho apostólico. A partir de Constantino, a oficialização da Igreja Cristã como religião imperial a partir de Roma tornou-se inevitável, sendo decretada por Teodósio, um dos sucessores de Constantino. Surgiu então o Catolicismo, inicialmente centralizado em Roma e depois dividindo o centro da Igreja com Constantinopla através de um cisma: Catolicismo Ocidental e Oriental. A canonização do Novo Testamento, reconhecido oficialmente pela Igreja a partir do século V, foi um ganho neste período. Até o século XV, prevaleceu no Cristianismo o monopólio do Catolicismo. Os séculos XV e XVI dividiram a Era Medieval da Idade Moderna. Grandes acontecimentos mudaram a história no mundo ocidental, como o Renascimento, a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, os grandes descobrimentos marítimos, a invenção da imprensa móvel e outros eventos. O Catolicismo não mostrava reação ou adaptação diante de um mundo em mudanças. Surgiu então a Reforma Protestante.
A igreja
reformada dividiu o mundo cristão entre católicos e protestantes.
Mesmo os católicos fizeram sua reforma (a Contrarreforma) a partir do Concílio
de Trento, procurando minimizar as perdas que advieram pelo surgimento dos
reformados protestantes. A Igreja Católica tem como ponto de partida dogmático
a Bíblia (a tradição escrita) além da tradição oral, dos concílios e das bulas
papais. O Catolicismo restringiu a leitura da Bíblia dentro da
Igreja à tradução latina de Gerônimo e sua interpretação apenas à hierarquia da
Igreja, do Papa, ao vigário local nas paróquias. Duas novas colocações
dogmáticas passaram a ser usadas pelo Protestantismo a partir de Lutero:
o Sola Scriptura e o sacerdócio individual de todos os crentes. O
Sola Scriptura restringiu a base de fé do Cristianismo às Escrituras Sagradas,
traduzidas para o idioma falado por cada cristão. O sacerdócio individual
permitiu que cada crente chegasse a Deus diretamente, orando a ele em nome de
Jesus e ouvindo sua voz através da leitura da sua Palavra, abolindo a
intermediação do sacerdote. Sola Scriptura e o sacerdócio
individual do crente, embora bíblicos e saudáveis quanto à sua implantação,
causaram divisões no mundo protestante. Ambos são considerados por Alister
McGrath como ideias perigosas; questiona o mencionado autor: “Quem
tem autoridade para definir a fé da religião: as instituições ou os indivíduos?
Quem tem o direito de interpretar seu documento fundamental, a Bíblia?”
Já no século
XVI, quatro correntes se formaram em função dessa nova postura da Igreja diante
da Bíblia e do sacerdócio: Luteranos, Anabatistas, Calvinistas e Anglicanos
foram grupos que interpretaram a Bíblia e as reformas a serem introduzidas de
formas diferentes. Nos séculos seguintes, surgem novas divisões, com os Congregacionais,
os Batistas e os Metodistas, citando apenas os mais importantes. A partir do
século XX, aparecem os Pentecostais, com um rápido crescimento numérico,
atingindo em pouco mais de um século metade do mundo cristão, incluindo-se aí
todas as denominações protestantes existentes, e mesmo o Catolicismo.
“Todos
queriam o bem, mas certamente eles não queriam a mesma coisa”,
afirmou Hugh Latimer, bispo anglicano do século XVI, refletindo o espírito
reinante em sua igreja ainda em formação. Tal frase pode bem refletir e
explicar muitas das divisões havidas nestes 500 anos de Reforma Protestante,
comemorados em 2017. O fato é que o advento do Protestantismo, em conjunto com
os acontecimentos que deram origem à Modernidade, foi revolucionário para o
mundo ocidental. Peter Berger afirmou: “O Protestantismo abriu as
comportas das forças que modelariam a Modernidade e, no final das contas,
causaram ao próprio Protestantismo tanto desgosto no seu interior.” Todas
as mudanças trazem aspectos positivos e negativos, e a história mostra bem
isso: nova cosmovisão, desenvolvimento de filosofias diferentes das medievais,
crescimento e desenvolvimento das ciências e da tecnologia, diferenças entre os
indivíduos, costumes, comunidades e na sociedade em geral conduziram o Cristianismo
a este mundo pós-moderno de hoje, quando o modernismo é visto como algo
frustrante e ultrapassado mas, ao mesmo tempo, sem que se vislumbrem condições
de repor, com vantagem, aquilo que não mais funciona ou não é mais aceito.
De forma
resumida, procuramos traçar um panorama da Igreja Cristã, desde Atos até o
século XXI.