“A alma imortal habita em uma tenda mortal; também
os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a
incorruptibilidade nos céus”.
O texto acima faz parte de “Epístola a Diogneto”,
texto escrito provavelmente no segundo século da Era Cristã e de autoria
desconhecida. Dirigida a um culto cidadão romano, o autor procura no texto
mostrar a diferença entre romanos, judeus e cristãos, caracterizando os
princípios que norteavam a vida dos cristãos na Era da Igreja Perseguida. O que
segue é uma paráfrase, na qual vamos apresentar algumas das ideias mais importantes
da Epístola, bem como tentar comparar as posturas cristãs dos primeiros
séculos com as nossas no século XXI.
Afirma o autor que, na sua época, os cristãos não
se distinguiam dos outros homens nem por sua terra, nem por sua língua ou
costumes. Eles não moravam em cidades próprias, não falavam língua estranha nem
viviam de modo especial. A doutrina que professavam não foi inventada por eles,
não sendo, portanto, algum ensinamento humano. Vivendo em casa gregas e
bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar
quanto à roupa, ao alimento e ao resto, os cristãos testemunhavam um modo de
vida admirável e mesmo paradoxal. Vivendo na sua pátria, eram forasteiros;
participavam de tudo como cristãos e suportavam tudo como estrangeiros. Toda
pátria estrangeira era sua pátria, mas cada pátria era por eles vista como
estrangeira. Casavam-se como todos e geravam filhos, mas não abandonavam os
recém-nascidos, conforme costume de povos romanos da época. Possuíam em comum a
mesa, mas não o leito; estando na carne, não viviam segundo a carne; moravam na
terra, mas tinham cidadania celestial; obedecendo às leis estabelecidas, com
sua vida ultrapassavam o espírito das próprias leis; amavam a todos, mas por
todos eram perseguidos; sendo mortos, a vida era dada a eles; eram pobres e
enriqueciam a muitos; tinham carência de tudo e de tudo tinham abundância;
sendo desprezados, no desprezo tornavam-se glorificados; inicialmente
amaldiçoados, eram posteriormente proclamados justos; sendo injuriados, bendiziam;
sendo maltratados, honravam; faziam o bem e eram punidos como malfeitores; eram
condenados e se alegravam como se recebessem a vida. Combatidos como
estrangeiros pelos judeus e perseguidos pelos gregos, aqueles que os odiavam
não saberiam dizer o motivo do ódio.
Assim viviam os cristãos no Império Romano dos
primeiros séculos, mostrando a todos que tinham dupla cidadania: eram cidadãos
romanos, mas também do Reino dos Céus. Viviam neste mundo, mas não eram deste
mundo. Estamos no século XXI e muita coisa aconteceu desde os tempos de Dogneto
com o mundo e com a Igreja. Como estamos nós, cristãos, vivendo no mundo de
hoje? Somos cidadãos do mundo ou peregrinos? O texto deixa claro que os
primeiros cristãos, embora vivessem todos imersos em uma cultura determinada,
consideravam-se muito mais peregrinos neste mundo. Justo González,
historiador nascido em Cuba, afirma em um de seus livros: “A cultura
não é somente o que lemos nos livros e nas teorias filosóficas. É também o
ambiente em que vivemos e, quanto mais imersos nela, mais difícil nós é
perceber como afeta a nossa vida e como dá forma às nossas ideias”. A
cultura na qual vivemos realmente “afeta a nossa vida” e “dá forma às
nossas ideias”: como podemos estar no mundo sem sermos do mundo? Como ser sal
e luz em um mundo putrefato, sem sabor, nas trevas e sem rumo? Com o declínio
da modernidade e o desencanto geral com tudo, como mostrar ao mundo que, há
dois mil anos, um rabi na Galileia veio trazer uma mensagem de paz, esperança e
possibilidade de vida que agrada ao Criador de todas as coisas?
Vivemos realmente dias muito difíceis, que denotam
a proximidade da volta de Cristo para a culminância da história nesta terra.
Tudo o que a Bíblia diz sobre os últimos tempos vai-se cumprindo de forma
inexorável. Porém, enquanto não pudermos nos libertar deste corpo mortal e
experimentar o que é corruptível se revestindo de incorruptibilidade,
precisamos fazer a diferença neste mundo. Ouvi de um grande irmão cristão com
quem tive o privilégio de conviver uma frase que nunca esqueci. Oscar Pauzer
sempre questionava: “Se não faz diferença, que diferença faz?” Embora
pareça paradoxal, a frase tem muito sentido. Se o fato de sermos cristãos e
termos a missão de salgar e iluminar o mundo com a mensagem do evangelho
pregada, mas principalmente vivida, não faz diferença no contexto por nós
vivido, que diferença faz sermos ou não sermos cristãos? Não fomos salvos
apenas para ficarmos chocados com as atitudes inadequadas e pouco recomendáveis
das pessoas de hoje; muito menos fomos salvos para apenas aguardarmos a volta
de Cristo. Deus nos tornou cidadãos do seu Reino para influenciarmos a vida dos
cidadãos deste mundo.
Como você gostaria de ser visto aos olhos de Deus:
apenas como um “cidadão do mundo”, sentindo-se em casa nesta vida, ou como
peregrino em terra estranha, caminhando para o Reino celestial e, enquanto
caminha, alertando outros para que se voltem para Deus em arrependimento?
Afinal, “se não faz diferença, que diferença faz?”