terça-feira, 31 de julho de 2018

Reflexão 5. O CRISTÃO: PEREGRINO OU CIDADÃO DO MUNDO?


“A alma imortal habita em uma tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus”.

O texto acima faz parte de “Epístola a Diogneto”, texto escrito provavelmente no segundo século da Era Cristã e de autoria desconhecida. Dirigida a um culto cidadão romano, o autor procura no texto mostrar a diferença entre romanos, judeus e cristãos, caracterizando os princípios que norteavam a vida dos cristãos na Era da Igreja Perseguida. O que segue é uma paráfrase, na qual vamos apresentar algumas das ideias mais importantes da Epístola, bem como tentar comparar as posturas cristãs dos primeiros séculos com as nossas no século XXI.

Afirma o autor que, na sua época, os cristãos não se distinguiam dos outros homens nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes. Eles não moravam em cidades próprias, não falavam língua estranha nem viviam de modo especial. A doutrina que professavam não foi inventada por eles, não sendo, portanto, algum ensinamento humano. Vivendo em casa gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, os cristãos testemunhavam um modo de vida admirável e mesmo paradoxal. Vivendo na sua pátria, eram forasteiros; participavam de tudo como cristãos e suportavam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira era sua pátria, mas cada pátria era por eles vista como estrangeira. Casavam-se como todos e geravam filhos, mas não abandonavam os recém-nascidos, conforme costume de povos romanos da época. Possuíam em comum a mesa, mas não o leito; estando na carne, não viviam segundo a carne; moravam na terra, mas tinham cidadania celestial; obedecendo às leis estabelecidas, com sua vida ultrapassavam o espírito das próprias leis; amavam a todos, mas por todos eram perseguidos; sendo mortos, a vida era dada a eles; eram pobres e enriqueciam a muitos; tinham carência de tudo e de tudo tinham abundância; sendo desprezados, no desprezo tornavam-se glorificados; inicialmente amaldiçoados, eram posteriormente proclamados justos; sendo injuriados, bendiziam; sendo maltratados, honravam; faziam o bem e eram punidos como malfeitores; eram condenados e se alegravam como se recebessem a vida. Combatidos como estrangeiros pelos judeus e perseguidos pelos gregos, aqueles que os odiavam não saberiam dizer o motivo do ódio.

Assim viviam os cristãos no Império Romano dos primeiros séculos, mostrando a todos que tinham dupla cidadania: eram cidadãos romanos, mas também do Reino dos Céus. Viviam neste mundo, mas não eram deste mundo. Estamos no século XXI e muita coisa aconteceu desde os tempos de Dogneto com o mundo e com a Igreja. Como estamos nós, cristãos, vivendo no mundo de hoje? Somos cidadãos do mundo ou peregrinos? O texto deixa claro que os primeiros cristãos, embora vivessem todos imersos em uma cultura determinada, consideravam-se muito mais peregrinos neste mundo. Justo González, historiador nascido em Cuba, afirma em um de seus livros: “A cultura não é somente o que lemos nos livros e nas teorias filosóficas. É também o ambiente em que vivemos e, quanto mais imersos nela, mais difícil nós é perceber como afeta a nossa vida e como dá forma às nossas ideias”. A cultura na qual vivemos realmente “afeta a nossa vida” e “dá forma às nossas ideias”: como podemos estar no mundo sem sermos do mundo? Como ser sal e luz em um mundo putrefato, sem sabor, nas trevas e sem rumo? Com o declínio da modernidade e o desencanto geral com tudo, como mostrar ao mundo que, há dois mil anos, um rabi na Galileia veio trazer uma mensagem de paz, esperança e possibilidade de vida que agrada ao Criador de todas as coisas?

Vivemos realmente dias muito difíceis, que denotam a proximidade da volta de Cristo para a culminância da história nesta terra. Tudo o que a Bíblia diz sobre os últimos tempos vai-se cumprindo de forma inexorável. Porém, enquanto não pudermos nos libertar deste corpo mortal e experimentar o que é corruptível se revestindo de incorruptibilidade, precisamos fazer a diferença neste mundo. Ouvi de um grande irmão cristão com quem tive o privilégio de conviver uma frase que nunca esqueci. Oscar Pauzer sempre questionava: “Se não faz diferença, que diferença faz?” Embora pareça paradoxal, a frase tem muito sentido. Se o fato de sermos cristãos e termos a missão de salgar e iluminar o mundo com a mensagem do evangelho pregada, mas principalmente vivida, não faz diferença no contexto por nós vivido, que diferença faz sermos ou não sermos cristãos? Não fomos salvos apenas para ficarmos chocados com as atitudes inadequadas e pouco recomendáveis das pessoas de hoje; muito menos fomos salvos para apenas aguardarmos a volta de Cristo. Deus nos tornou cidadãos do seu Reino para influenciarmos a vida dos cidadãos deste mundo.

Como você gostaria de ser visto aos olhos de Deus: apenas como um “cidadão do mundo”, sentindo-se em casa nesta vida, ou como peregrino em terra estranha, caminhando para o Reino celestial e, enquanto caminha, alertando outros para que se voltem para Deus em arrependimento? Afinal, “se não faz diferença, que diferença faz?”       

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Reflexão 6. PREGANDO EM SAMARIA NO SÉCULO XXI


No Velho Testamento, a cidade de Samaria era a capital do Reino de Israel da parte norte após a divisão. Devido à sua posição estratégica no alto de um monte, os assírios só puderam capturá-la depois de um cerco de três anos. Séculos após, Herodes reconstruiu-a e chamou-a Sebaste. Na época do Novo Testamento, Samaria era o nome dado a todo o distrito central da Palestina a oeste do Jordão. Povo bíblico que viveu em Samaria depois que os assírios levaram cativo o Reino do Norte, os samaritanos tinham sangue tanto israelita quanto gentio, sendo sua religião uma mistura de crenças e práticas judaicas e pagãs. A “Parábola do Bom Samaritano” mostra o ódio que os judeus tinham aos samaritanos por não serem puramente da nação judaica. O Senhor Jesus orientou os apóstolos para que pregassem o evangelho aos samaritanos. Apesar de Lucas indicar que Jesus foi rejeitado em uma aldeia de samaritanos, seu evangelho mostra que havia boas qualidades neles; foi um leproso samaritano que voltou para agradecer a Cristo por sua purificação. Atualmente, um pequeno grupo de samaritanos continua residindo em Nablus e em Jafa, hoje um subúrbio de Telavive. Em 1972, havia cerca de 500 deles em Holon e em Nablus (Siquém), onde vive o sumo sacerdote samaritano. O monte Gerizim continua sendo sua montanha sagrada e o sábado é rigidamente observado.

Portanto, samaritano nos tempos do Novo Testamento representava o descendente de judeus que, por circunstâncias históricas, havia deixado de ser puramente filho de Abraão e seguidor do judaísmo; era um judeu diferenciado. Nos nossos dias, existem seres humanos diferenciados, formando por vezes grupos minoritários desprezados pela sociedade e pelo governo, que enfrentam tremendas dificuldades na vida que lhes foi imposta ou, às vezes, por eles mesmos escolhida. As cidades possuem em suas ruas moradores sem teto, grupos sem-terra, drogados que dependem do uso de substâncias nocivas para viverem. São seres humanos como nós, pessoas pelas quais Jesus morreu e que precisam ser alcançados pelo evangelho. Atuando na sociedade organizada ou entre os samaritanos atuais, a mensagem do evangelho nos garante que, por meio de Jesus, Deus veio a este mundo tal como é, para estar nesta terra de misérias, desespero, crimes, corrupção e sujeira.

O sistema econômico atual, as condições de vida impostas à sociedade e o próprio relacionamento familiar dos seres humanos, muitas vezes, têm gerado a existência de grupos minoritários formados por seres humanos diferenciados. Os excluídos da sociedade formam um mundo próprio, separado, com sua própria cultura e relações sociais. A cultura dos excluídos está presente nas cidades, constituída muitas vezes de fragmentos da cultura rural desintegrada em meio a uma cultura dominante que não os aceitou. Talvez seja mais difícil ser missionário no mundo dos excluídos do próprio país e da própria cidade do que ser missionário na África ou na Ásia, porque a resistência psicológica é maior. É mais fácil reconhecer a diferença da cultura indiana ou chinesa do que a diferença da cultura dos excluídos próximos a nós.

Quem penetra numa cultura desconhecida, logo fica perturbado pelos seus vícios e imperfeições. A primeira coisa que se percebe são os defeitos. Foi isso que aconteceu no passado, quando missionários alcançaram a América, a Ásia e a África: ficaram chocados com os vícios e com a miséria corporal, moral e espiritual dos povos primitivos que pretendiam evangelizar. Ainda hoje os esforços fracassam porque não conhecem a cultura e não sabem como entrar nesse novo ambiente. Pessoas ali convivem com a miséria física na forma de fome, carências e insegurança, na falta de condições mínimas para o desenvolvimento normal da vida humana; além da miséria física, existe a miséria moral, numa cultura na qual quadrilhas geram roubo, violência, drogas, prostituição, estupro e crianças abandonadas.

Não podemos nos iludir, pensando que atuar junto a famílias de presidiários, por exemplo, seja uma tarefa fácil. É difícil e perigosa, conforme já ouvimos testemunhos de missionários que lá atuam, principalmente diante do que o crime organizado no Brasil tem feito com a igreja evangélica, aproveitando-se dela para atingir seus propósitos mais reprováveis e ilegais. Vejam o que o pastor Edmar Pedrosa afirma no seu livro “PCC e Igreja Evangélica – um casamento até que a Bíblia os separe”: “Aproveitando a maneira de pensar desta geração atual, integrantes do PCC, usando linguagem cristã, porém desprovida e abolida completamente de conteúdo cristão, indiretamente trouxeram para o meio evangélico uma visão de que é completamente possível ser um cristão fiel e usar drogas ao mesmo tempo, sem o menor problema e sem a menor incompatibilidade entre ambos. Em alguns casos, chegam a defender que uma coisa não só complementa a outra como é 'conditio sine qua non' para se viver com Deus e receber a iluminação e o entendimento das Escrituras”. Segundo lemos na obra, há uma verdadeira identificação entre o criminoso atual e o ladrão arrependido da cruz de Cristo, pois entendem eles que, assim como Cristo perdoou o ladrão, ele faz o mesmo com os integrantes do crime organizado hoje; eles se esqueceram de um pequeno detalhe que está nas Escrituras: a necessidade de arrependimento. Esta é, sem dúvida, uma das Samarias mais problemáticas que precisa ser alcançada pelo evangelho.

Igrejas locais já acompanharam ou ainda acompanham a deterioração do centro de cidades e a formação de grupos como aqueles que foram citados, nossa Samaria de hoje nas grandes metrópoles. No passado, começando por Jerusalém, o evangelho foi pregado na Judeia, em Samaria e alcançou os confins do Império Romano e da terra. Em nossos dias, isto precisa continuar a ser feito. Ao lado da cruz de Jesus Cristo estava pregado o ladrão que foi salvo e que tem sido tão erradamente usado como exemplo pelo crime organizado; ele ilustra bem o alcance da obra de Cristo, pois, até na hora extrema, o homem pode se arrepender de seus pecados e ser salvo, se realmente permitir o novo nascimento e a regeneração pelo Espírito de Deus.

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...