domingo, 2 de setembro de 2018

Reflexão 1. EMERGENTE: A IGREJA DA PÓS-MODERNIDADE

“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12.2).

Utopia é uma palavra que provém do  grego e equivale a lugar que não existe; a palavra nomeia uma de obras de Thomas More, escritor inglês, inspirada talvez por Américo Vespúcio, navegante que voltava de sua expedição à América e falava sobre uma ilha paradisíaca, o lugar ideal para a construção da sociedade perfeita. Com as grandes conquistas da modernidade, no século XIX, o homem do mundo ocidental criou um objetivo semelhante, imaginando que, com tanto avanço da ciência, a razão humana seria capaz de criar uma sociedade com progresso constante, onde todos os problemas humanos seriam resolvidos. Muitas mudanças ocorreram após a Revolução Francesa e esperava-se que o século XX fosse o período áureo da história da humanidade.

Iniciado o novo século, o que se viu foi uma sucessão de guerras (I, II, Vietnã, Coreia, Guerra Fria) e catástrofes (Grande Depressão Econômica, Holocausto, início da Era Atômica, terrorismo), que acabaram por demolir as ideias utópicas modernas, substituindo-as por uma grande frustração pós-moderna. De repente, valores como o bem e a verdade não são mais absolutos, eternos, universais ou imutáveis; ao contrário, são social e historicamente construídos, tão mutáveis quanto a vida humana. Não há mais bem ou mal, não há crenças universais que deem sentido ao mundo, casamento e educação se transformaram. Convivemos com o caos, a relativização e a instantaneidade das coisas, com a deterioração da legitimidade da autoridade. Valores da civilização ocidental foram postos em dúvida, substituídos por novas ideologias presentes na vida do homem pós-moderno: materialismo, edonismo, permissivismo,  relativismo, nihilismo, consumismo, pluralismo, secularização. Crendo na inexistência da verdade absoluta e da ética comum, a pós-modernidade provoca o surgimento de uma nova religião e de uma nova ética, apontando para um novo tempo, ainda não delineado, mas de superação da atual condição. “Que estratégias devem ser usadas para levar o evangelho à geração pós-moderna? A igreja institucional tem sido boa representante de Cristo? Qual o limite entre a contextualização e o sincretismo religioso? Até que ponto devemos mergulhar nas diferentes culturas urbanas para pregar o evangelho?” Perguntas sinceras merecem consideração e o relacionamento igreja-cultura precisa ser discutido. Conforme já se afirmou, na história da Igreja, houve uma tendência de adequação ao pensamento, valores e ideologias nas diferentes eras pelas quais a organização tem passado. No mundo pós-moderno, a igreja emergente é uma dessas tentativas.

O que é uma igreja emergente? Um site ligado ao movimento responde: “A igreja emergente é um movimento da igreja protestante (...) com a finalidade de alcançar a geração pós-moderna. Refletindo as necessidades e os valores percebidos desta geração, as igrejas emergentes enfatizam o autêntico, a expressão criativa e uma perspectiva sem julgamentos, procurando reavaliar as doutrinas”. Buscando honrar e servir a igreja em todas as suas formas – católica romana, protestante, pentecostal, reformada, luterana, e procurando ser receptivos e inclusivistas com todos os irmãos em Cristo, “ao invés de elitistas e críticos”, alguns grupos têm ido além da irmandade cristã, na inclusão de muçulmanos, budistas, crenças hindus, num ecletismo preocupante. Uma das propostas é: “Queremos oferecer às pessoas um local onde elas possam se sentir parte antes mesmo de acreditar”. Embora o movimento seja decentralizado, em 2006 foi fundada a Convenção Brasileira de Igrejas Emergentes, nos seguintes termos: “Foi iniciada no dia 2 de janeiro de 2006, com apoio da Emergent Village dos EUA, a Convenção Brasileira de Igrejas Emergentes, com o propósito de apoiar pessoas que desejam iniciar novas Igrejas no Brasil, proporcionar contatos de líderes brasileiros com líderes americanos e fornecer material para pessoas interessadas em Igrejas Emergentes.”

O Cristianismo Ortodoxo tem identidade denominacional, com ênfase na Palavra e na ação de crer, num sistema doutrinário definido, com zelo pela tradição; é restritivista quanto à salvação e pratica o conservadorismo teológico num culto teocêntrico. A Igreja Emergente não tem identidade, focaliza sua ênfase nos relacionamentos e na ação de pertencer, não possui sistema doutrinário definido e protesta contra a tradição; quanto à salvação é universalista, num liberalismo teológico e na prática de um culto antropocêntrico. Em nome da forma, não se pode comprometer o conteúdo do evangelho. Ser relevante culturalmente é bom, mas o evangelho sempre será loucura e escândalo para os incrédulos e, ao tentar torná-lo mais atraente, podemos acabar convertendo-o em algo que ele não é. Conforme afirma Walter Henegar: “Os escritores emergentes podem diagnosticar corretamente as sensibilidades pós-modernas, mas suas prescrições tendem a se conformar e não a transformar”. Transformação e não conformação deve ser a postura do cristão e da Igreja em qualquer época histórica, inclusive na Pós-Modernidade.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Reflexão 2. A IGREJA E AS DIFERENTES ERAS HISTÓRICAS

Na história da humanidade, a Idade Antiga (ou Antiguidade) é o período que se inicia com o desenvolvimento da escrita pelos sumérios (cerca de 4000 anos a.C.) e termina com a queda do Império Romano do Ocidente (em 476 da Era Cristã). O período compreende as civilizações egípcia, a mesopotâmica, a hebraica, a fenícia e a persa. Também foi na Antiguidade que surgiu a civilização grega, bem como o Império Romano. Os gregos trouxeram contribuições importantíssimas à cultura ocidental, com a criação do teatro, da matemática, da história, da medicina e das artes plásticas, todas essas realizações, porém, partindo da filosofia.

Filosofia significa “amor à sabedoria”, ciência iniciada na Grécia Antiga, a partir do século VI a.C., com alguns pensadores que, com esforço pessoal, intelectual e intuitivo, chegaram a conclusões sobre a natureza humana e o universo. Tales de Mileto e Pitágoras foram filósofos matemáticos, sendo seus teoremas utilizados até hoje. Surgiram os sofistas, como Protágoras, que afirmava: "O homem é a medida de todas as coisas". Foram criadas as escolas socrática, platônica e aristotélica.

O Cristianismo surgiu na Antiguidade, quando tudo isso já estava elaborado e exercendo grande influência no Império Romano, inclusive sobre a Província da Judeia. Jesus Cristo foi um mestre sem precedentes. É espantosa a oralidade dos seus ensinos e a fidelidade aos mesmos demonstrada por seus apóstolos e discípulos. Quando a Igreja começou no Pentecostes, não dispunham seus líderes de nenhum texto evangélico escrito que pudesse ser consultado, a não ser o Antigo Testamento, que refletia as crenças do judaísmo e as profecias que anunciavam a vinda do Messias. Foi esse o material utilizado por Pedro, por Estêvão e pelos demais líderes cristãos na propagação inicial do evangelho, além de poderem compartilhar sua própria experiência pessoal com o Senhor Jesus. No entanto, se o Novo Testamento ainda seria redigido no primeiro século, a filosofia grega já tinha seus textos e suas escolas devidamente formadas e organizadas. Não foi, portanto, sem razão que os líderes cristãos iniciais quisessem adaptar a mensagem do evangelho do evangelho àquilo que os gregos entendiam como válido.   

A Patrística, do segundo século em diante, foi um período que se caracterizou pelo resultado dos esforços iniciais dos apóstolos e também dos chamados “Pais da Igreja”, para conciliar a nova religião com o pensamento filosófico mais corrente da época entre os gregos e os romanos. Justino, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio, Gregório de Nissa e outros representam a primeira tentativa de aproximar o cristianismo de determinados princípios da filosofia grega. Quanto ao governo, Igreja e poder imperial andaram juntos, quando Papas e Imperadores se influenciavam mutuamente na liderança dos respectivos poderes.

Já em plena Idade Média, a Escolástica, a partir do século onze, foi um período no qual o Cristianismo sofreu bastante influência do pensamento socrático e platônico. A Renascença, nos séculos XIV a XVI, redescobriu trabalhos de grandes autores e artistas gregos e romanos da Antiguidade, além de introduzir o antropocentrismo.

No século XV, ocorreram grandes acontecimentos históricos, como a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, a criação da imprensa móvel por Gutemberg em 1456, as grandes navegações transoceânicas empreendidas por povos europeus, começando por Portugal e Espanha, além do já citado Renascimento, que teve seu apogeu na época, iniciado que fora anteriormente ao século XV.

O mundo ocidental começou a passar por grandes transformações, que vão ocasionar o surgimento da Modernidade. A Reforma Protestante a partir de Lutero aconteceu no início do período moderno, com a expansão marítima europeia, a revolução comercial, o mercantilismo, o colonialismo europeu nas terras recém-descobertas, o absolutismo e o iluminismo. Já no século XVIII, revoltas populares na França culminaram com a Revolução Francesa, em 1789, trazendo novos parâmetros para o pensamento político, econômico, filosófico e religioso da época, os quais exercem grande influência no mundo ocidental, mesmo nos dias de hoje. Alguns historiadores costumar considerar os acontecimentos posteriores à Revolução Francesa como Era Contemporânea. Preferimos estender a Modernidade até o início do século XX. Acontecimentos como a Revolução Industrial e a independência de muitas colônias que se constituíram nos países atuais, inclusive o Brasil, marcaram o período, com o amadurecimento das ideias iluministas disseminadas pela Revolução Francesa e o progresso científico na busca de novos conhecimentos para entender o homem e a sociedade. Buscaram-se então novas alternativas para a convivência social, como o sistema comunista de Karl Marx, além da reivindicação pela quebra do estado disseminado pelos anarquistas. O capitalismo se consolidou como hegemonia no sistema político e econômico do globo.

Segundo os historiadores, a Idade da Razão foi realmente um dos períodos de maior esperança na história da humanidade. Tudo levava a crer que o século XX seria a era que centralizaria a solução para todos os problemas humanos, transformando a terra num paraíso.

domingo, 5 de agosto de 2018

Reflexão 3. ÉDEN, DESERTO, COTIDIANO


Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”. (1 João 2:15-17)

Na sua primeira epístola, João nos diz que “aquele que diz que está nele”, em Cristo, “também deve andar como ele andou”. É fácil “andar como Cristo andou” neste mundo? É fácil estar no mundo, mas não ser do mundo? Temos as mesmas necessidades do ser humano comum. Como então procurarmos estar livres do pecado? Como é que o pecado entra no ser humano, na igreja, no mundo? Baseados no texto acima, existem três portas de entrada para o pecado: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Vamos examinar como estas portas foram usadas em três situações na história da humanidade: no Éden, no deserto e no nosso cotidiano.

Concupiscência é definido como “desejo intenso de bens ou gozos materiais, soberba”. Deus criou os céus e a terra no princípio, e tudo era na avaliação divina “muito bom”. O homem foi criado sem pecado, sem imperfeição, “à imagem e semelhança de Deus”. Colocado no Éden, tinha todas as condições para lá viver eternamente na presença de Deus. Bastava tão somente não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal. No entanto, entre a árvore da vida e a da ciência, o homem preferiu ter o conhecimento do que desfrutar da eternidade. Gênesis 3.6 assim afirma: “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela”. Aí estão as três portas já citadas:  a mulher viu que aquela árvore era boa para se comer (concupiscência da carne), agradável aos olhos (concupiscência dos olhos) e árvore desejável para dar entendimento (soberba da vida). No Éden, representando toda a raça humana, a mulher entrou pelas três portas.

Embora tendo Deus criado tudo de modo perfeito, com a queda do homem e entrada do pecado no mundo, o Criador providenciou desde logo um caminho de redenção para a humanidade: da semente da mulher, através de um povo seu criado para a sua glória, veio o Redentor, Jesus, o Cristo de Deus. No início do seu ministério, o próprio Salvador foi tentado pelo Diabo, que utilizou as três portas. Após um jejum de 40 dias, tendo Jesus fome, o diabo lhe fez três propostas: a primeira, dar ordem para que as pedras se transformassem em pães (concupiscência da carne); a seguir, que ele adorasse ao demônio, recebendo como recompensa todos os reinos do mundo (concupiscência dos olhos); finalmente, que Jesus se lançasse do pináculo do templo abaixo para ser salvo pelos anjos, um espetáculo que as pessoas pudessem ver a aplaudir (soberba da vida). “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. “Não tentarás ao Senhor teu Deus”. Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele servirás”. Às tentações satânicas com base em citações bíblicas, Jesus respondeu com a Palavra de Deus.

No Éden e no deserto as três portas de entrada do pecado foram utilizadas, ou pelo menos sugeridas. E na nossa vida, no cotidiano enfrentado por cada um de nós, como temos resistido às provações e tentações que apelam para a concupiscência, para a cobiça da nossa carne, dos nossos olhos e para a soberba, para a ostentação que muitas vezes somos tentados a buscar? Assim como Jesus fez, vamos buscar na Palavra de Deus a resposta a essas indagações: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Paulo escrevendo aos romanos). O nosso culto racional diante de Deus é a apresentação do nosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável, numa tentativa de caminharmos rumo à santificação de vida. E isto pode acontecer ao não nos conformarmos, não tomarmos a forma deste mundo, mas se formos além da forma mundana (transformai-vos) pela renovação do nosso entendimento. Parece que tudo pode acontecer de modo satisfatório não apenas por procurarmos não fazer o que é reprovado diante de Deus, mas por permitirmos, através da ação do Espírito Santo de Deus, a renovação do nosso entendimento. A nossa visão de mundo, herdada de nossos pais através da carne, é secular, humanista, racional, imperfeita, pecaminosa. A cosmovisão que o Espírito implanta em nós é divina, completa, eterna, perfeita, santa. É a nossa cosmovisão que define nossas ações, nossas escolhas, nossos pensamentos, quem nós somos, enfim. Enquanto a cosmovisão humana for egocêntrica, veremos o mundo como as pessoas do mundo o veem, estaremos usando as três portas de entrada do pecado em nossa vida. Se buscarmos a cosmovisão que Deus quer nos proporcionar, estaremos mais perto de cumprir a mensagem de Paulo aos romanos, e conhecermos mais proximamente “a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Vamos buscá-la?   

Reflexão 4. LAODICEIA E A IGREJA ATUAL

“Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Apocalipse 3:20).

O terceiro capítulo do Apocalipse traz a mensagem de Jesus através de João à Igreja de Laodiceia, texto do qual transcrevemos o verso acima. Destaquemos os pontos mais importantes.

Cristo define a vivência e as obras da Igreja, as quais ele conhece, afirmando: “Você não é frio nem quente”. Ser morno, em muitas situações de vida, é realmente muito desagradável. O alimento, por exemplo, se estiver numa temperatura assim definida, torna-se intolerável. Espiritualmente falando, Cristo gostaria de encontrar igrejas que fossem quentes, aquecidas pelo seu Espírito e voltadas para a missão de pregação do evangelho e manutenção dos resultados. Mesmo assim, melhor seria “8 ou 80”, ou seja, “que você fosse frio ou quente!” Como reação divina, o texto nos diz: “Estou a ponto de vomitá-lo da minha boca”.

É chocante a análise da situação feita por Cristo para a Igreja. Ela diz numa falsa autoanálise: “Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada”. A análise divina é completamente oposta: Você “é miserável, digno de compaixão, pobre, cego, e está nu”. Quem está nesta situação não pode se considerar rico e sem necessidade de coisa alguma. Não será esta a situação de muitas igrejas locais, e mesmo denominações hoje? Para corrigir a situação, Jesus dá dois conselhos. Primeiramente ele diz: “Compre de mim ouro refinado no fogo, e você se tornará rico; compre roupas brancas e vista-se para cobrir a sua vergonhosa nudez; e compre colírio para ungir os seus olhos e poder enxergar”. Ouro puro de origem espiritual pode tornar a igreja rica, não sob o prisma humano, mas divino. Roupas brancas podem cobrir a vergonhosa nudez humana diante de Deus pelo pecado, indumentárias fornecidas pelo próprio Deus após arrependimento e perdão. O colírio espiritual fornecido por Deus pode ungir os olhos da igreja, permitindo que ela enxergue sua própria situação e a do mundo. O Senhor repreende e disciplina aqueles a quem ele ama. Por isso, diz Cristo à Igreja como último conselho: “Seja diligente e arrependa-se”.

Chegamos finalmente à parte que exprime a mais dolorosa realidade com relação à Igreja de Laodiceia: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.” Usada como mensagem de apelo em muitas ocasiões através de hinos e de pregadores que convidam o pecador ao arrependimento e à aceitação de Cristo como Salvador, no contexto no qual foi proferido, a mensagem foi proferida por Cristo, aquele que disse que edificaria a igreja e que nada prevaleceria contra ela. A igreja deixou seu Criador, Edificador e Mantenedor fora das portas, a ponto de ele ter que bater e solicitar admissão, ou melhor, readmissão! Será que isto realmente já aconteceu ou está acontecendo? Igreja Cristã sem Cristo?!  

Deus sempre contou, em todos os eventos históricos, com um remanescente fiel, aquele ou aqueles que não se desviaram ou que procuraram manter o rumo inicial. Também na pior igreja das sete do Apocalipse, Deus sabe que será assim. Ao que permanecer até o final, ao vencedor, diz Cristo: “... darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e sentei-me com meu Pai em seu trono.”

Como estamos nós hoje, como Igreja de Cristo em nossa visão, fé e atuação no mundo? Será que Laodiceia representa realmente uma visão profética da Igreja dos nossos dias? Desde a Reforma Protestante até agora, surgiram inúmeros modos diferentes de ser igreja cristã. Como realidade mais atual, aparecem hoje as igrejas emergentes, dando maior ênfase a relacionamentos e experiências pessoais e não a doutrinas. O nome “emergente” provém de cristãos descontentes, que se envolviam em igrejas evangélicas tradicionais e que emergiram de ideologias e estruturas de igrejas pré-existentes. Talvez a origem mais remota do movimento possa ser ligada ao “Movimento Jesus” dos anos de 1970. O foco é trazer o Reino de Deus à terra através do cuidado pelos pobres, o amor ao próximo e um encorajamento aos cristãos a crescerem mais profundamente em sua fé. Ideias como a importância da comunidade e a vida “missional” são temas constantes no movimento. Em vez de união entre as lideranças conservadoras e a novas, os grupos têm-se dividido, quando ideias radicais sobre a fé se chocaram com as novas perspectivas. Chavões como “missional”, “holístico”, “narrativa” e “conversação” são facilmente identificáveis, mas uma declaração formal de crença não é fácil de se achar. Constituindo-se em um grupo multifacetado e informal e por não ser um movimento uniforme, a Igreja Emergente não é fácil de ser definida ou mesmo entendida. Embora defenda assuntos e procedimentos nos quais a igreja tradicional realmente estagnou, é preciso conhecer o conjunto da obra para que se chegue a um consenso a respeito das Igrejas Emergentes.

Se a volta de Cristo fosse hoje, encontraria ele fé na terra? Como está a sua fé, a minha, a fé da Igreja? Será que acabaremos nos constituindo em Igreja Cristã sem Cristo? Ele é o edificador, mantenedor e Senhor da Igreja e deve se constituir sempre no seu cerne. Sejamos Igrejas cristocêntricas, sem perder o foco do evangelho apostólico e bíblico, atuando neste mundo pós-moderno e ansiando pelo arrebatamento.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Reflexão 5. O CRISTÃO: PEREGRINO OU CIDADÃO DO MUNDO?


“A alma imortal habita em uma tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus”.

O texto acima faz parte de “Epístola a Diogneto”, texto escrito provavelmente no segundo século da Era Cristã e de autoria desconhecida. Dirigida a um culto cidadão romano, o autor procura no texto mostrar a diferença entre romanos, judeus e cristãos, caracterizando os princípios que norteavam a vida dos cristãos na Era da Igreja Perseguida. O que segue é uma paráfrase, na qual vamos apresentar algumas das ideias mais importantes da Epístola, bem como tentar comparar as posturas cristãs dos primeiros séculos com as nossas no século XXI.

Afirma o autor que, na sua época, os cristãos não se distinguiam dos outros homens nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes. Eles não moravam em cidades próprias, não falavam língua estranha nem viviam de modo especial. A doutrina que professavam não foi inventada por eles, não sendo, portanto, algum ensinamento humano. Vivendo em casa gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, os cristãos testemunhavam um modo de vida admirável e mesmo paradoxal. Vivendo na sua pátria, eram forasteiros; participavam de tudo como cristãos e suportavam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira era sua pátria, mas cada pátria era por eles vista como estrangeira. Casavam-se como todos e geravam filhos, mas não abandonavam os recém-nascidos, conforme costume de povos romanos da época. Possuíam em comum a mesa, mas não o leito; estando na carne, não viviam segundo a carne; moravam na terra, mas tinham cidadania celestial; obedecendo às leis estabelecidas, com sua vida ultrapassavam o espírito das próprias leis; amavam a todos, mas por todos eram perseguidos; sendo mortos, a vida era dada a eles; eram pobres e enriqueciam a muitos; tinham carência de tudo e de tudo tinham abundância; sendo desprezados, no desprezo tornavam-se glorificados; inicialmente amaldiçoados, eram posteriormente proclamados justos; sendo injuriados, bendiziam; sendo maltratados, honravam; faziam o bem e eram punidos como malfeitores; eram condenados e se alegravam como se recebessem a vida. Combatidos como estrangeiros pelos judeus e perseguidos pelos gregos, aqueles que os odiavam não saberiam dizer o motivo do ódio.

Assim viviam os cristãos no Império Romano dos primeiros séculos, mostrando a todos que tinham dupla cidadania: eram cidadãos romanos, mas também do Reino dos Céus. Viviam neste mundo, mas não eram deste mundo. Estamos no século XXI e muita coisa aconteceu desde os tempos de Dogneto com o mundo e com a Igreja. Como estamos nós, cristãos, vivendo no mundo de hoje? Somos cidadãos do mundo ou peregrinos? O texto deixa claro que os primeiros cristãos, embora vivessem todos imersos em uma cultura determinada, consideravam-se muito mais peregrinos neste mundo. Justo González, historiador nascido em Cuba, afirma em um de seus livros: “A cultura não é somente o que lemos nos livros e nas teorias filosóficas. É também o ambiente em que vivemos e, quanto mais imersos nela, mais difícil nós é perceber como afeta a nossa vida e como dá forma às nossas ideias”. A cultura na qual vivemos realmente “afeta a nossa vida” e “dá forma às nossas ideias”: como podemos estar no mundo sem sermos do mundo? Como ser sal e luz em um mundo putrefato, sem sabor, nas trevas e sem rumo? Com o declínio da modernidade e o desencanto geral com tudo, como mostrar ao mundo que, há dois mil anos, um rabi na Galileia veio trazer uma mensagem de paz, esperança e possibilidade de vida que agrada ao Criador de todas as coisas?

Vivemos realmente dias muito difíceis, que denotam a proximidade da volta de Cristo para a culminância da história nesta terra. Tudo o que a Bíblia diz sobre os últimos tempos vai-se cumprindo de forma inexorável. Porém, enquanto não pudermos nos libertar deste corpo mortal e experimentar o que é corruptível se revestindo de incorruptibilidade, precisamos fazer a diferença neste mundo. Ouvi de um grande irmão cristão com quem tive o privilégio de conviver uma frase que nunca esqueci. Oscar Pauzer sempre questionava: “Se não faz diferença, que diferença faz?” Embora pareça paradoxal, a frase tem muito sentido. Se o fato de sermos cristãos e termos a missão de salgar e iluminar o mundo com a mensagem do evangelho pregada, mas principalmente vivida, não faz diferença no contexto por nós vivido, que diferença faz sermos ou não sermos cristãos? Não fomos salvos apenas para ficarmos chocados com as atitudes inadequadas e pouco recomendáveis das pessoas de hoje; muito menos fomos salvos para apenas aguardarmos a volta de Cristo. Deus nos tornou cidadãos do seu Reino para influenciarmos a vida dos cidadãos deste mundo.

Como você gostaria de ser visto aos olhos de Deus: apenas como um “cidadão do mundo”, sentindo-se em casa nesta vida, ou como peregrino em terra estranha, caminhando para o Reino celestial e, enquanto caminha, alertando outros para que se voltem para Deus em arrependimento? Afinal, “se não faz diferença, que diferença faz?”       

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Reflexão 6. PREGANDO EM SAMARIA NO SÉCULO XXI


No Velho Testamento, a cidade de Samaria era a capital do Reino de Israel da parte norte após a divisão. Devido à sua posição estratégica no alto de um monte, os assírios só puderam capturá-la depois de um cerco de três anos. Séculos após, Herodes reconstruiu-a e chamou-a Sebaste. Na época do Novo Testamento, Samaria era o nome dado a todo o distrito central da Palestina a oeste do Jordão. Povo bíblico que viveu em Samaria depois que os assírios levaram cativo o Reino do Norte, os samaritanos tinham sangue tanto israelita quanto gentio, sendo sua religião uma mistura de crenças e práticas judaicas e pagãs. A “Parábola do Bom Samaritano” mostra o ódio que os judeus tinham aos samaritanos por não serem puramente da nação judaica. O Senhor Jesus orientou os apóstolos para que pregassem o evangelho aos samaritanos. Apesar de Lucas indicar que Jesus foi rejeitado em uma aldeia de samaritanos, seu evangelho mostra que havia boas qualidades neles; foi um leproso samaritano que voltou para agradecer a Cristo por sua purificação. Atualmente, um pequeno grupo de samaritanos continua residindo em Nablus e em Jafa, hoje um subúrbio de Telavive. Em 1972, havia cerca de 500 deles em Holon e em Nablus (Siquém), onde vive o sumo sacerdote samaritano. O monte Gerizim continua sendo sua montanha sagrada e o sábado é rigidamente observado.

Portanto, samaritano nos tempos do Novo Testamento representava o descendente de judeus que, por circunstâncias históricas, havia deixado de ser puramente filho de Abraão e seguidor do judaísmo; era um judeu diferenciado. Nos nossos dias, existem seres humanos diferenciados, formando por vezes grupos minoritários desprezados pela sociedade e pelo governo, que enfrentam tremendas dificuldades na vida que lhes foi imposta ou, às vezes, por eles mesmos escolhida. As cidades possuem em suas ruas moradores sem teto, grupos sem-terra, drogados que dependem do uso de substâncias nocivas para viverem. São seres humanos como nós, pessoas pelas quais Jesus morreu e que precisam ser alcançados pelo evangelho. Atuando na sociedade organizada ou entre os samaritanos atuais, a mensagem do evangelho nos garante que, por meio de Jesus, Deus veio a este mundo tal como é, para estar nesta terra de misérias, desespero, crimes, corrupção e sujeira.

O sistema econômico atual, as condições de vida impostas à sociedade e o próprio relacionamento familiar dos seres humanos, muitas vezes, têm gerado a existência de grupos minoritários formados por seres humanos diferenciados. Os excluídos da sociedade formam um mundo próprio, separado, com sua própria cultura e relações sociais. A cultura dos excluídos está presente nas cidades, constituída muitas vezes de fragmentos da cultura rural desintegrada em meio a uma cultura dominante que não os aceitou. Talvez seja mais difícil ser missionário no mundo dos excluídos do próprio país e da própria cidade do que ser missionário na África ou na Ásia, porque a resistência psicológica é maior. É mais fácil reconhecer a diferença da cultura indiana ou chinesa do que a diferença da cultura dos excluídos próximos a nós.

Quem penetra numa cultura desconhecida, logo fica perturbado pelos seus vícios e imperfeições. A primeira coisa que se percebe são os defeitos. Foi isso que aconteceu no passado, quando missionários alcançaram a América, a Ásia e a África: ficaram chocados com os vícios e com a miséria corporal, moral e espiritual dos povos primitivos que pretendiam evangelizar. Ainda hoje os esforços fracassam porque não conhecem a cultura e não sabem como entrar nesse novo ambiente. Pessoas ali convivem com a miséria física na forma de fome, carências e insegurança, na falta de condições mínimas para o desenvolvimento normal da vida humana; além da miséria física, existe a miséria moral, numa cultura na qual quadrilhas geram roubo, violência, drogas, prostituição, estupro e crianças abandonadas.

Não podemos nos iludir, pensando que atuar junto a famílias de presidiários, por exemplo, seja uma tarefa fácil. É difícil e perigosa, conforme já ouvimos testemunhos de missionários que lá atuam, principalmente diante do que o crime organizado no Brasil tem feito com a igreja evangélica, aproveitando-se dela para atingir seus propósitos mais reprováveis e ilegais. Vejam o que o pastor Edmar Pedrosa afirma no seu livro “PCC e Igreja Evangélica – um casamento até que a Bíblia os separe”: “Aproveitando a maneira de pensar desta geração atual, integrantes do PCC, usando linguagem cristã, porém desprovida e abolida completamente de conteúdo cristão, indiretamente trouxeram para o meio evangélico uma visão de que é completamente possível ser um cristão fiel e usar drogas ao mesmo tempo, sem o menor problema e sem a menor incompatibilidade entre ambos. Em alguns casos, chegam a defender que uma coisa não só complementa a outra como é 'conditio sine qua non' para se viver com Deus e receber a iluminação e o entendimento das Escrituras”. Segundo lemos na obra, há uma verdadeira identificação entre o criminoso atual e o ladrão arrependido da cruz de Cristo, pois entendem eles que, assim como Cristo perdoou o ladrão, ele faz o mesmo com os integrantes do crime organizado hoje; eles se esqueceram de um pequeno detalhe que está nas Escrituras: a necessidade de arrependimento. Esta é, sem dúvida, uma das Samarias mais problemáticas que precisa ser alcançada pelo evangelho.

Igrejas locais já acompanharam ou ainda acompanham a deterioração do centro de cidades e a formação de grupos como aqueles que foram citados, nossa Samaria de hoje nas grandes metrópoles. No passado, começando por Jerusalém, o evangelho foi pregado na Judeia, em Samaria e alcançou os confins do Império Romano e da terra. Em nossos dias, isto precisa continuar a ser feito. Ao lado da cruz de Jesus Cristo estava pregado o ladrão que foi salvo e que tem sido tão erradamente usado como exemplo pelo crime organizado; ele ilustra bem o alcance da obra de Cristo, pois, até na hora extrema, o homem pode se arrepender de seus pecados e ser salvo, se realmente permitir o novo nascimento e a regeneração pelo Espírito de Deus.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Reflexão 7. JUDAIZANTES E HELENISTAS NA IGREJA HOJE


A Igreja de Jerusalém era inteiramente judaica na sua concepção inicial, mas dois grupos de judeus participavam da comunhão: os gregos ou helenistas, nascidos fora da Palestina, falavam grego e tinham atitudes e pensamentos mais helênicos do que hebraicos; os judaizantes, nascidos na Palestina, falavam aramaico e mantinham costumes e cultura hebraica. O episódio da instituição dos diáconos é um dos confrontos que a Bíblia apresenta entre tradição e convivência com o novo.

Tradição (do latim tradere = "entregar, passar adiante") é a continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento. Não há grande problema em se manter a tradição, atitude, aliás, incentivada por apóstolos e discípulos iniciais com relação às verdades do evangelho que haviam aprendido do próprio Senhor Jesus e que precisavam divulgar. No entanto, o grupo que aparece como “judaizantes” não estava tentando defender as verdades do evangelho, mas proteger um grupo especial de viúvas, que eram puramente do povo judeu nascido na Palestina. O mesmo grupo vai aparecer em outra circunstância em Atos 15: “Então, alguns que tinham descido da Judeia ensinavam assim os irmãos: Se vos não circuncidardes, conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos.” O problema era atrelar o evangelho de Cristo do Novo Testamento ao judaísmo, religião dos judeus naqueles dias. Havia naquele grupo uma ideia da permanência da visão de mundo judaica sobre a cristã.

Visão de mundo, ou cosmovisão, é um conjunto de suposições e crenças que alguém usa para interpretar e formar opiniões acerca da sua humanidade, propósito de vida, deveres no mundo e questões sociais. Todo ser humano possui uma cosmovisão. Aquilo que cada pessoa é, o que defende, o que vive, é resultado da cosmovisão que dirige sua vida. Há uma grande variedade de cosmovisões ao longo da história e atualmente. Há ainda uma Cosmovisão Cristã, que influencia muito a maneira em que a pessoa vê a Deus. A cosmovisão teísta crê em um Deus infinito e pessoal, que existe além do universo, que criou todas as coisas e sustenta tudo de modo sobrenatural. A Modernidade criou a cosmovisão chamada deísta, visão naturalista que vê Deus além do universo, mas não nele, não interagindo sobrenaturalmente com aquilo que criou. O ateísmo afirma que não existe nenhum Deus além do universo físico, formado por matéria autossuficiente. O panteísmo defende que Deus é todo o universo, não havendo um criador distinto: criador e criação são a mesma realidade; universo, matéria, pessoas, tudo é Deus. O politeísmo crê que existem muitos deuses no mundo e além dele, influenciando a vida das pessoas.

O Cristianismo entrou inicialmente em contato com o politeísmo grego; é só lembrarmos Paulo no Areópago. Além da cosmovisão politeísta, havia a cosmovisão formada pela filosofia grega, elaborada a partir de cinco séculos antes da vinda de Cristo. No seu início, a Igreja Cristã, sem grandes estruturas de sustentação, entrou em confronto direto com essas visões, que defendiam pontos de vista conflitantes com o evangelho.

Ao longo da história, tradição e renovação tem-se digladiado, existindo ainda entre elas a heresia. Afinal de contas, o que é ser tradicional ou renovado como cristão hoje? O que seria “tradição” de acordo com a Bíblia? Existem tradições humanas e tradições divinas. As humanas não passam de usos, costumes e convenções sem nenhum apoio nas Escrituras. Hinário, instrumentos musicais nos cultos, roupas, comidas, jejum, modos de orar, mulher com ou sem véu ou cabelo comprido, homens e mulheres sentados juntos ou separados, uso da tecnologia na igreja são opções unicamente da tradição humana, ligadas aos “relativos do homem” e não aos “absolutos de Deus”. Jesus condenou as tradições religiosas humanas, especialmente quando elas invalidam ou contrariam aquilo que Deus ordenou, como o que disse e foi registrado por Marcos: “Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens, como o lavar dos jarros e dos copos, e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas”.

Por outro lado, os adeptos da renovação acabam por vezes a tentar relativizar os “absolutos de Deus”, atitude, aliás, bem pós-moderna. Nem todas as igrejas ditas “renovadas” podem ser consideradas de fato “espiritualmente renovadas”. Na realidade, muitas passaram a adotar doutrinas estranhas ao Novo Testamento, como a Teologia da Prosperidade, o culto transformado em show, a unção do riso, a “queda no espírito”, o neojudaísmo, a autoajuda em lugar da Palavra de Deus, a confissão positiva, dentes de ouro, entrevistas com demônios, maldição hereditária, venda e veneração de objetos santos ou consagrados e outras inovações. Tais coisas não passam de outros evangelhos ou de falsas revelações, frutos da apostasia profetizada para os últimos tempos.

Existem, portanto, erros e acertos em ambas as partes, tanto no campo tradicional quanto no renovado. O pastor Luiz Sayão afirma: “Há grupos perdendo o equilíbrio teológico… no legalismo, no misticismo desenfreado ou no tradicionalismo irrefletido, entre outros problemas”. Biblicamente falando, boa parte da discussão sobre igreja tradicional ou renovada não tem sentido. Não é prudente nem correto polarizar a questão de forma radical. Regras estranhas por vezes tornam-se “padrão de espiritualidade”, como usar (ou não) paletó e gravata, bater ou não palmas, usar ou não barba, ouvir música mundana, usar roupas ou penteados específicos, limitar ou uso de instrumentos musicais nos cultos e muitas outras.

É preciso reconhecer que servimos a um Deus absoluto, com verdades imutáveis e inspirador de uma tradição apostólica que precisa ser mantida a todo custo. Como seres humanos, vivemos em um mundo mutável e a pregação e vivência do evangelho precisa ser relevante para o século no qual vivemos. Sejamos sal neste mundo apodrecido e luz para uma humanidade em trevas. Que a tradição e a renovação andem juntas para honra e glória do nosso Deus, respeitando sempre a sua vontade e a sua Palavra. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Reflexão 8: UNIDADE NA IGREJA HOJE

Pouco antes de tomar o caminho da cruz, a oração de Jesus ao Pai por seus discípulos presentes e futuros é tocante e significativa; “para que todos sejam um” foi sua grande ênfase, pois ele sabia que unidade seria uma das tarefas mais difíceis da Igreja. A Igreja Primitiva já não mantinha uma uniformidade inicial muito grande. Alister McGrath em “Heresia” afirma: “Embora seja correto falar do cristianismo primitivo como uma tradição única, talvez seja melhor pensar nele como uma rede complexa de grupos e indivíduos que existiam em diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos. Esses grupos procuravam relacionar a sua fé a esses contextos e expressá-la em termos que fizessem sentido dentro daqueles contextos”. Essa “rede complexa de grupos e indivíduos” existente em “diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos” diz respeito aos diferentes povos que compunham o Império Romano no primeiro século, cada um com suas características próprias e recebendo a mensagem do evangelho de judeus, habitantes da Província da Judeia, que também havia sido integrada ao Império e que também tinha seu contexto social, cultural e linguístico próprio.

Desde o ano 30 do primeiro século da Era Cristã, a Igreja de Cristo tem percorrido um longo caminho, cheio de conflitos, perseguições, confrontos, e isto tem deixado suas marcas. “O que faz de uma igreja uma igreja? O que é necessário para existir uma igreja? Pode um grupo que se diz cristão tornaram-se tão diferente do que deve ser uma igreja, que tal grupo não deva mais ser chamado igreja?” Estas são indagações de Wayne Gruden, em sua Teologia Sistemática, 500 anos após Lutero. Para Alister McGrath, seguindo o pensamento de Lutero e de Calvino, “há dois e apenas dois elementos essenciais numa igreja cristã: a pregação da palavra e a administração apropriada dos sacramentos”. Pensando nos propósitos e nos ministérios da igreja, Gruden entende que uma Igreja Cristã, com relação a Deus, deve adorar, com relação aos cristãos deve edificar e com relação ao mundo deve evangelizar e exercer misericórdia, mantendo esses propósitos em equilíbrio. O assunto é polêmico e não se resolve apenas com poucas citações. Além das congregações locais, chamadas por Earl Cairns de “organizações”, existe também o “Organismo”, a Igreja de todos os tempos a ser arrebatada na volta de Cristo. Alister McGrath afirma sobre o assunto: “Pode bem haver uma única Igreja Universal, à qual pertencem todos os cristãos, porém há inúmeras igrejas locais. Cada uma delas incorpora uma ideia distinta do que significa ser cristão, frequentemente adaptando-se às especificidades de uma situação cultural local ou tendo sido modelada por uma controvérsia cuja relevância teológica e poder emocional definham a cada ano que passa”. Especificidades de situações culturais locais e controvérsias teológicas e emocionais têm modelado a formação de inúmeras igrejas locais, muitas agrupadas em denominações, com diferentes declarações doutrinárias, como acontece com os batistas, por exemplo. 

Pode haver unidade na Igreja Cristã no século XXI? Conforme narra Lucas em Atos, perseverança na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações; temor a Deus, levando-o a sério, com reverência, obediência e respeito: estas eram características da Igreja no seu início. Como resultado disso, havia prodígios e sinais e os irmãos faziam tudo com alegria, gratidão, conquistando a simpatia do povo. O tempo passou, a Antiguidade foi sucedida pela Idade Média, esta pela Modernidade e hoje vivemos uma fase posterior à Modernidade. Cada era na história traz mudanças e elas têm reflexo na vida da Igreja e de seus membros. Uma das mais difíceis missões deixadas por Cristo aos seus seguidores foi a de “estar no mundo” e “não ser do mundo”.   Eventos, circunstâncias, linhas filosóficas, mudanças de cosmovisão são fatores que reforçam o relativismo da vida humana, já que estamos diretamente relacionados ao “aqui e agora”. Desde o Antigo Testamento, Deus apresenta-se ao seu povo como “Eu sou”. O Novo Testamento afirma que Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Os alicerces sobre os quais Cristo edificou a sua Igreja são absolutos e imutáveis. A Pós-Modernidade vivida hoje diz não haver verdades absolutas, mas relativiza tudo o que existe. Como acomodar hoje os “absolutos de Deus” com os “relativos do homem” na ação de ser igreja? Os fundamentos do evangelho não podem ser mudados, pois foram colocados pelo próprio Deus na pessoa de seu filho Jesus Cristo. Ele é a Rocha, o alicerce da Igreja, que sustenta o seu crescimento e resistência diante de perseguições e conflitos. A Igreja é a Noiva de Cristo. A palavra “Igreja” (do grego “ekklesia”) significa “aqueles que foram chamados para fora do mundo”, apontando para um povo separado para os propósitos de Deus, que busca a santificação de vida. No Reino de Deus não há menor nem maior. A obra é de Deus, não nossa. Somos todos cooperadores de um único Deus que não faz acepção de pessoas. Somos cooperadores uns dos outros, não concorrentes. A obra de Deus não depende somente do que sou e tenho, depende essencialmente de Deus. Um semeia, outro colhe, mas a glória de tudo pertence a Deus.

A Reforma Protestante estabeleceu para o protestantismo o princípio do livre exame das Escrituras. Em questões secundárias, não houve uniformidade na interpretação de textos bíblicos. Lutero, Calvino e Wesley não concordaram sobre pontos de menor importância. No entanto, foi o luteranismo que fez a Alemanha culta e poderosa. Foi o calvinismo que deu uma coerente organização às igrejas reformadas, com base intelectual para a sua fé. Foi o wesleyanismo que acendeu o fogo espiritual do evangelismo na Inglaterra e salvou aquele país do ateísmo e da anarquia. A denominação batista muito concorreu para o estabelecimento dos princípios da liberdade religiosa e da fé pessoal em Jesus Cristo. Há denominações e grupos evangélicos que atraem mais os intelectuais, outras apelam mais para as emoções. Uns adotam um culto ritualista quem aprecia solenidade nos cultos; outros primam pela simplicidade no culto.

Como Igreja Cristã hoje, seja o nosso lema "unidade no essencial, liberdade no secundário, amor em tudo". É a unidade na diversidade: unidade no Espírito de Deus, mas diversidade em formas de ser igreja é parte do desafio enfrentado pela Igreja no século XXI.

 

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...