segunda-feira, 25 de maio de 2020

43. SÉCULO DAS IDEOLOGIAS

Ideologia é o conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas, morais ou de outra natureza defendida por um indivíduo ou grupo de indivíduos; é ainda o sistema de ideias sustentadas por um grupo social, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais. A palavra “ideologia” foi criada por Destutt de Tracy, filósofo francês do final do século XVII, proveniente de dois termos gregos: idea (imagem, aparência) e logos (estudo). O estudo sistemático do assunto tomou vulto a partir da Revolução Francesa.

Nazismo, comunismo, americanismo, individualismo, nacionalismo, muitos são os "ismos" que refletem as ideologias do século XX. Foi em nome do nacionalismo sérvio, por exemplo, que um extremista assassinou o príncipe da coroa austro-húngara, em 1914, dando início à Primeira Guerra Mundial. Sendo a Alemanha a grande derrotada da Guerra, surgiu o nazismo como uma espécie de desejo de vingança. Preocupado com a raça como ponto central de sua ideologia e ressaltando as ideias de solo e sangue como fronteiras entre alemães e outros povos, o nazismo elegeu, na sua xenofobia, o povo judeu com responsável por seus problemas. Hitler considerava capitalismo e marxismo como dois resultados da conspiração judaica, colocando no mesmo patamar também o cristianismo. Estimativas confiáveis apontam em 6 milhões o número de judeus mortos pelo nazismo na Alemanha e em países por ela ocupados. Começando com um acordo com os cristãos e com os católicos romanos, acabou sendo apoiado por líderes eclesiásticos, que muitas vezes traziam para suas paróquias as ideias nazistas. Hitler abandonou todos os princípios cristãos nos quais fora criado, trocando-os pela nova fé na regeneração do povo alemão através do nacional-socialismo. Como reação à postura de alguns teólogos, surgiu a Igreja Confessional, que procurou chamar a igreja de volta às verdades centrais do cristianismo, rejeitando as determinações totalitárias do Estado. A Igreja Confessional foi perseguida pelo nazismo, sendo muitos dos seus pastores presos ou mesmo mortos.

Enquanto nascia e se firmava o nazismo, nas décadas de 1920 e 30, na Rússia, os bolcheviques criaram um novo regime totalitário de esquerda, o comunismo. O sistema se parecia muito com o nazismo de Hitler: liderança ditatorial, um único partido no poder, terror, propaganda, censura, economia centralizada e hostilidade à religião. Lenin foi o líder inicial da Revolução Russa, que pregava a mobilização como meio de mudança social, sucedido por Stalin. O regime de Stalin foi mais cruel que o de Hitler, com polícia secreta, terror, campos de trabalho forçado e eliminação de potenciais rivais, além de confronto implacável com o cristianismo, visto como um reflexo do mundo resultante da divisão de classes. No tempo dos czares, a religião ortodoxa russa era a igreja do estado, sendo o czar seu líder. A Igreja foi limitada em sua ação pelos decretos comunistas e reagiu a isso, declarando guerra ao estado; como consequência, mais de mil padres e bispos foram mortos, numa repressão que quase desintegrou a Igreja.

No Ocidente, houve revolta contra o regime da União Soviética, tendo o catolicismo se oposto ao comunismo. Em 1939, forças nazistas invadiram a Polônia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Hitler, Mussolini e os dirigentes militares japoneses se uniram no Eixo, uma aliança que, num primeiro momento, assinou um acordo de não-agressão contra Stalin. Rompido o acordo, a União Soviética foi forçada a fazer aliança com os aliados ocidentais e entrar na guerra contra o Eixo.

Como no primeiro conflito mundial, os cristãos estavam dos dois lados da guerra. O cristianismo na Alemanha convivia com uma dúbia situação, pois alguns setores apoiavam o nazismo, enquanto outros segmentos eram por ele perseguidos. Isso fez com que o entusiasmo cristão pela causa alemã fosse diminuído nas tropas germânicas em relação à Primeira Guerra. Na Rússia, percebendo a importância do sentimento religioso para seus esforços de guerra, Stalin amenizou durante o conflito o tratamento dado anteriormente à Igreja Ortodoxa.

No cômputo geral da guerra, o cristianismo sofreu muito no conflito, tanto no aspecto físico como no moral: igrejas destruídas, clérigos mortos e crentes perseguidos levaram a opinião pública cristã a questionar se existiria uma guerra justa. Após o calor de duas guerras mundiais, iniciou-se a Guerra Fria. O Mundo dividiu-se ideologicamente em duas porções: de um lado o chamado imperialismo americano e do outro o regime ditatorial soviético. O mundo cristão já estava dividido, tendo o chamado socialismo cristão feito seus estragos, com a acomodação do cristianismo ao comunismo através da Teologia da Libertação, por exemplo. O Muro de Berlim, derrubado no final da década de 1880, continua de certa forma em pé no mundo do Século XXI, dividindo ideologicamente as questões políticas dos povos e também a cristandade nas questões eclesiásticas e espirituais, já que os dois lados do conflito defendem suas convicções de forma firme e decidida. “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro”, alertou o Senhor Jesus no Sermão do Monte. Embora seja difícil, é preciso que o cristão identifique numa ideologia se ela não prejudica a fé cristã, embora ideologia humana e evangelho divino sejam áreas que estejam em campos tão diferentes.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

44. EXPANSÃO DOS ESTADOS UNIDOS

Os atuais Estados Unidos da América nasceram da união de Treze Colônias britânicas estabelecidas na costa atlântica da América do Norte a partir do século XVII, a chamada “Costa Leste”. O tratado de Versalhes, de 1783, afirmava que os Estados Unidos se estendiam da Costa do Atlântico até o Mississippi. As Treze Colônias rebelaram-se contra o domínio inglês, na Guerra de Independência, de 1775 a 1783. O primeiro presidente norte-americano foi George Washington. Os demais estados, hoje em número de 50, foram incorporados ao país após a independência. Das treze colônias iniciais ao leste, o movimento de ocupação do território caminhou para o centro e para o sul.

Desde tempos coloniais, mão-de-obra foi um problema enfrentado, gerando grandes diferenças socioeconômicas no país; o Norte tornou-se industrializado e o Sul, agrário. A falta de mão-de-obra incentivou a imigração europeia no Norte e o uso do trabalho escravo no Sul trouxe escravos negros do continente africano. Os Estados industrializados do Norte eram contra a escravidão, enquanto o Sul a achava indispensável para sua agricultura. Estas diferenças  levaram à formação dos Estados Confederados da América, no Sul, o que gerou a Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865; nessa guerra, o número de baixas americanas foi maior do que a soma de todas as baixas americanas sofridas em todas as outras guerras nas quais os Estados Unidos se envolveram, desde sua independência, até o século XX.

O Velho Oeste norte-americano foi aos poucos incorporado à federação, além da Louisiana, adquirida no tempo de Bonaparte; da Flórida, vendida pelos espanhóis; do Alasca, vendido pela Rússia; do Oregon, cedido pelos ingleses aos norte-americanos. Do final do século XVIII até meados do século XX, novos territórios e estados foram sendo anexados, ampliando as fronteiras do país até ao Oceano Pacífico. No início do século XIX, houve uma intensa imigração nos Estados Unidos, vindo gente da Alemanha, da Irlanda e da Inglaterra, além de outros países, fugindo da difícil situação econômica europeia. Muitos artesões estavam desempregados com a industrialização, e a concentração fundiária resultou na expulsão de camponeses das terras, o que veio suprir a falta de mão-de-obra já citada. Isso causou um rápido crescimento demográfico dos EUA e o desejo de conquistar as terras do Oeste. A descoberta de ouro na Califórnia, território conquistado, além de outros, após guerra contra o México, ampliou o desejo de conquista rumo ao Pacífico.  No século XIX, a construção de ferrovias fez cair o preço dos transportes, com a ampliação das linhas férreas; em 1890, já havia uma linha fazendo ligação entre a Costa do Atlântico ao Pacífico. 

A existência de tribos nativas nas terras norte-americanas sempre se constituiu em um desafio para o europeu. Aos poucos, as populações indígenas foram dizimadas e o remanescente confinado em reservas. “... essa reivindicação nos é dada pelo direito do nosso “Destino Manifesto” de nos expandir e possuir todo o continente que a Providência nos deu para o desenvolvimento da grande experiência da Liberdade...” O trecho faz parte de um texto do jornalista John Louis O'Sullivan, de 1845, discutindo ele a doutrina “Destino Manifesto”, crença comum entre os habitantes dos Estados Unidos de que o povo americano fora eleito por Deus para civilizar o seu continente. Antes dela, a Doutrina Monroe, de 1820 já havia declarado “A América para os norte-americanos”. Ampliando o alcance do fato, mais tarde, a doutrina “Destino Manifesto” fundamentou as atrocidades contra os indígenas, além de embasar a política expansionista dos Estados Unidos para a América Central e Caribe; ainda hoje, há resquícios do "Destino Manifesto" na política estadunidense de “guardiões da democracia e da liberdade mundial”.

Este texto abordou apenas o aspecto histórico da emancipação norte-americana, que bem pode ser entendida pelos pontos cardiais: começou a leste, espalhou-se inicialmente para o norte e para o centro-sul, culminando com a conquista do oeste longínquo (far west), que serviu de base para tantos filmes que contaram e ainda contam essa saga expansionista dos Estados Unidos. O próximo texto procurará abranger o papel da Igreja em toda essa história.

45. A IGREJA NA EXPANSÃO DOS ESTADOS UNIDOS

A colonização norte-americana começou a partir do início do século XVII, partindo da Nova Inglaterra, com a fundação de Jamestown, em 1607, na Virgínia, a chegada do Mayflower em 1620 e o início da vinda de levas de puritanos um década após. A primeira igreja a chegar foi a anglicana, no seio da qual se alojavam os puritanos, que geraram a igreja congregacional ainda na Inglaterra. O Congregacionalismo, porém, encontrou campo para grande expansão nos Estados Unidos, longe da igreja oficial inglesa. Na costa leste, chegaram outros grupos religiosos, como os quacres (quakers) na Pensilvânia, os batistas em Rhode Island, além de presbiterianos e outros. Mesmo os católicos receberam uma colônia entre as treze iniciais, Maryland, através do líder católico Lord Baltimore. Mesmo Nova York, na época inicial chamada de Nova Amsterdã, empreendimento da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, teve como primeira igreja a protestante tradicional trazida da Holanda.

As colônias do norte, chamadas de Nova Inglaterra, compreendiam os territórios de Massachusetts, Delaware, Connecticut, Rhode Island e Maine. Os colonos se dirigiam na Nova Inglaterra especialmente em busca de liberdade religiosa e política. Assim, desenvolveram uma ligação muito forte entre a religião e a política, pois as decisões eram tomadas em assembleias na igreja. As colônias do centro eram formadas por Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Delaware. As colônias do sul eram constituídas por Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia. Na Virgínia, nas Carolinas, tanto norte quanto sul, e na Geórgia, predominavam inicialmente os anglicanos e os batistas; em Nova York, os quacres, católicos, luteranos, judeus e outros; na Província de Massachusetts, Connecticut, New Hampshire, os puritanos; em Maryland, os católicos; em Rhode Island, os batistas; em Delaware, os Quacres, Católicos, Luteranos, judeus e outros; em Nova Jérsei, os Quacres, Católicos, Luteranos, Judeus e outros; na Pensilvânia, os quacres. A partir das colônias iniciais, a igreja, em seus diferentes grupos, se espalhou para os demais territórios e estados que se anexaram.  

Trazendo a história até os dias de hoje, a Constituição americana veda que se leve a visão religiosa para as funções públicas. Porém, como pode o cristão atuar na política, na família, nos tribunais e nas escolas e não ter a fé pessoal diante de medos apocalípticos, ao mesmo tempo em que se anseia por uma América e um mundo com um grande avivamento e renovação nos seus ideais sociais? Um historiador comparou os evangélicos americanos do século da colonização a "imigrantes sem raízes numa terra nova". No final do século XIX e início do XX, seus descendentes começaram a pregar novamente a segunda vinda de Cristo, numa visão premilenista do fim. Surgiu o fundamentalismo no início do século XX, com base no premilenismo e na busca da santificação, e em reação ao criticismo bíblico e à teologia liberal. Na segunda metade do século XX, surgiu Billy Graham, com suas cruzadas de evangelismo. O pentecostalismo, movimento surgido nos Estados Unidos, foi divulgado no século XX e, em 100 anos, dividiu o mundo cristão em duas metades: tradicionais versus pentecostais. Essa divisão atingiu catolicismo e protestantismo. Na segunda metade do século, desenvolveu-se o neopentecostalismo. O batismo no Espírito Santo como segunda bênção e a busca dos dons carismáticos caracterizam o movimento em geral.

A fé é importante nos dias atuais? Ela tem feito diferença no comportamento humano? A partir do final do século XX, a sociedade americana estava assolada pelo crime, divórcio, racismo, violência, perversão sexual, alcoolismo e drogas. Quando Jimmy Carter assumiu a presidência americana e se posicionou como cristão batista e diácono da igreja, trazendo para o debate nacional o tema “fé e poder’, Schlesinger Jr., um historiador, afirmou discordar da postura de Cárter com relação à crença em Deus e em seu filho Jesus Cristo. "Se ele pensa dessa maneira, muito bem para ele, mas é totalmente irrelevante para a campanha", afirmou ele no final. Será que isso também se aplica ao pensamento de evangélicos e cristãos em geral, tendo a fé se tornando totalmente irrelevante para a sociedade moderna?

quinta-feira, 21 de maio de 2020

46. ECUMENISMO


“Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (João 17.20 -21).

Antes de enfrentar a cruz, Jesus orou por si mesmo, pelos discípulos ali presentes e pelos seus seguidores futuros, tendo por base a afirmação "para que todos sejam um". Sua preocupação era que, no futuro, a unidade da sua mensagem de salvação, que ele tinha direcionado durante seu ministério, fosse mantida pela igreja ao longo dos séculos. A história mostra que a unidade da igreja tem sido algo que manteve uma uniformidade apenas com a atuação agregadora do Espírito Santo, já que os homens são desagregadores, dada à sua natureza pecaminosa. Assim, desde a Igreja Primitiva, passando pelo Catolicismo, pela Reforma Protestante, chegamos ao século XXI com o Cristianismo totalmente dividido.

Na Modernidade, houve uma tentativa de unificação do Cristianismo, no movimento conhecido como Ecumenismo, movimento que se mostrou ser, desde logo, mais político do que teológico. O credo autorizado e aprovado na assembleia feita em Nova Déli, na Índia, em 1961, afirma: "O Concílio Mundial de Igrejas é uma congregação de igrejas que confessam o Senhor Jesus Cristo com Deus e Salvador segundo as Escrituras Sagradas e que, por isso, buscam seguir juntas ao seu chamado, para glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo". O início da frase, em letra itálica normal, era a declaração primeira; o acréscimo (que no texto está em negrito) foi colocado para, diplomaticamente, agradar à Igreja Ortodoxa russa e aos Protestantes. O exposto até agora está documentado e reflete o espírito da assembleia do Concílio Mundial de Igrejas reunido em Nova Délhi. Ecumênico significa mundial ou universal, tal como católico. O primeiro esforço para cooperação entre os protestantes surgiu em Londres em 1846. Com a diminuição do entusiasmo inicial, surgiu em 1908 o Concílio Federal de Igrejas dos Estados Unidos, mas a expressão mais significativa do Ecumenismo foi a de 1948, em Amsterdã, na Holanda, com a criação do Conselho. Como decorrência de sua criação, foram constituídos muitos conselhos, conferências, alianças e federações, reuniões de diferentes segmentos da Igreja que a ela aderiram.

Os mais persistentes críticos do Ecumenismo foram os evangélicos conservadores, que sustentam a autoridade bíblica e reconhecem que Jesus orou e pregou pela unidade de seus seguidores, mas questiona a forma federativa dessa união, que assume muitas vezes caráter político, sem compromisso com o evangelismo. George Whitefield, pregando na Filadélfia, nos Estados Unidos, levantando os olhos para o céu, exclamou em um de seus sermões: "Pai Abraão, quem está com você nos céus?" Após mencionar diferentes denominações, o avivalista afirmou sobre seus ouvintes: "Todos os que estão aqui são cristãos. É este o caso? Então, Deus, ajude-nos a esquecer o nome de grupos e a nos tornarmos cristãos de verdade". Assim, esquecendo o nome de grupos, creio que a verdadeira união entre os cristãos acontece centralizando-se a fé em Cristo e contando com atuação agregadora do Espírito Santo de Deus no meio do seu povo.

Qual é a sua religião? De cristão a ateu, esta pergunta encontra uma diversidade maior de respostas, principalmente na atual pós-modernidade que defende a pluralidade em tudo, principalmente no aspecto religioso. Como desenvolver um movimento ecumênico, mundial ou universal em um mundo cristão tão dividido como o atual. Levando-se em conta o sentido etimológico da palavra “religião”, de origem latina ligada ao verbo “religare” (religar, ligar de novo), creio que a melhor resposta é: minha religião, aquilo que me religa a Deus é Cristo, o “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. O que segue é o nome da congregação local com a qual a pessoa coopera, numa tentativa importante de manter sua fé compartilhando-a com outros que creem de forma semelhante. Cristocentrismo e correta administração das ordenanças deixadas pelo Senhor da Igreja são os dois elementos indicados por Calvino como indispensáveis para que uma igreja se diga cristã.

47. VATICANO II E "AGGIORNAMENTO"


Desde os primórdios, a Igreja tem realizado concílios, reuniões de líderes eclesiásticos para deliberar sobre questões de fé, costumes, doutrina ou disciplina. Com o advento do Catolicismo, os concílios têm sido presididos pelo papa para promulgar novos dogmas, bem como para estabelecer mudanças em doutrinas e práticas da igreja. O Concílio de Trento havia dado ao catolicismo uma imagem de fortaleza inexpugnável sob o ataque das forças do secularismo, modernismo e individualismo. Pouco mais de uma década antes do Vaticano II, o Papa Pio XII, numa encíclica, censurou a tentativa de alguns teólogos para revisão dos ensinamentos da igreja. O Concílio Vaticano II revelou ao mundo a forte presença dentro do catolicismo romano de um novo espírito clamando por mudanças na Era das Ideologias; reunido de 1962 a 65, o concílio apresentou uma nova imagem, falando da igreja como um "povo peregrino", movendo-se pelo mundo juntamente com outros peregrinos e cuidando dos fracos e dos cansados.

O Papa João XXIII, responsável pelo Concílio, afirmou que a ideia lhe ocorreu como súbita inspiração do Espírito Santo. Durante sua caminhada como sacerdote, ele tinha tido oportunidade de conviver com católicos e não católicos, como judeus e muçulmanos; isso e outras tendências que revelou em sua vida fizeram com que ele encaminhasse o Concílio promovendo um "aggiornamento", uma atualização na igreja, tornando-a mais afinada com o seu tempo. Houve um número maciço de presença de cardeais, patriarcas, bispos e abades para o início dos trabalhos. O discurso de abertura anunciou um concilio mais pastoral que doutrinário, mais a favor de reformas do que contra algumas heresias. As comissões permanentes eleitas eram equilibradas e internacionais, tendo sido rejeitada de início a eleição direcionada para os peritos da Cúria Romana, que haviam feito o trabalho preparatório. Os dois grupos de bispos, os conservadores e os progressistas, tiveram a oportunidade de debater e mesmo de entrar em conflito em muitos dos tópicos abordados no Concílio.

Muitos conservadores não queriam o Concílio e tentaram mesmo sabotá-lo ou atrasar seus preparativos. Eram em sua maioria italianos idosos, localizados no Vaticano, distantes do mundo moderno e com grande influência histórica sobre os papas e o Catolicismo no mundo todo. Os progressistas eram na maioria não italianos, provenientes de várias partes do mundo e sem liderança única. Em meio às reuniões, morreu o Papa João XXIII, sendo substituído por Paulo VI, que deu continuidade aos trabalhos. No final, os 16 decretos do Concílio, com poucas exceções, refletiram a conciliação alcançada com dificuldade entre conservadores e progressistas. Ele representou uma ruptura com o espírito intransigente de Trento e com a posição defensiva do Vaticano I, voltando a face da Igreja Romana para o mundo, não em ira, mas em solicitude, em boa vontade.

As mudanças ocorridas por causa do Concílio causaram questionamentos no mundo católico. Nova liturgia com o altar vindo para frente, sacerdotes de frente e olhando para congregação, linguagem do povo em lugar do latim e interação entre os participantes foram as primeiras mudanças sentidas. Na autoridade da Igreja, poucas mudanças aconteceram, mantendo-se a estrutura piramidal, do poder do Papa para baixo. Setores progressistas da igreja se frustraram e continuam lutando para que o papado deixe de lado a postura que tinha assumido desde a Idade Média; segundo os progressistas, o papa não devia agir como alguém que estivesse fora da igreja ou acima dela. Questões como o aborto e o divórcio são impostas de cima para baixo e não se discute. Por causa de tudo isso, a igreja sofreu um êxodo de padres e freiras; a identidade dos sacerdotes parece ter sido a principal causa do êxodo, pois o caráter sagrado do sacerdócio parecia estar desaparecendo. A renovação carismática católica enfatizava o cristianismo pessoal e introduziu o batismo pentecostal, como o “falar em línguas”. No final da década de 1970, uma década depois do Vaticano II, a igreja de Roma havia, de vários modos, se distanciado de sua fortaleza medieval estabelecida em Trento. Sua jornada na Era das Ideologias tem sido uma perigosa e às vezes incerta peregrinação, na companhia de seus "irmãos afastados" protestantes.

Neste século XXI, a peregrinação continua, em um mundo cada vez mais tendente a estabelecer uma “nova ordem mundial”, de ideologia socialista, que gerou regimes comunistas em alguns lugares do mundo, com resultados nada animadores e perseguindo os seguidores da religião cristã, o “ópio do povo”, expressão divulgada por Karl Marx.  

48. CRISTIANISMO E MODERNIDADE

Tendo surgido na Antiguidade, o Cristianismo, inicialmente restrito a Jerusalém, alcançou a Judeia, Samaria, espalhou-se pelo Império Romano e, na Idade Média, com a organização do Catolicismo, dominou as regiões da Europa Ocidental a partir de Roma, alcançando as tribos germânicas que deram fim ao Império Romano do Ocidente, e dominou também regiões orientais, tendo Constantinopla como ponto de partida. Durante alguns séculos, a Igreja esteve centralizada na Europa, tanto Ocidental quanto Oriental, atingindo a Rússia e países eslavos.

Com a descoberta do Novo Mundo, na América Latina, os católicos foram os primeiros a levar o Cristianismo às novas terras descobertas, com a Espanha e Portugal ainda disputando a liderança do mundo civilizado. Os protestantes, tendo chegado um século após o catolicismo, ficou inicialmente restrito à América do Norte.

Já no século XX, até a queda do Muro de Berlim, as nações do mundo se dividiam em três grupos: as mais avançadas do Ocidente ou 1º Mundo, as do mundo comunista (2º Mundo) e as do 3º Mundo, incluindo a América Latina, África e Ásia quase que inteira. No final do século XX e início do XXI, a Europa não era mais um "continente cristão" nem a África um "continente negro". No sul do Saara, o cristianismo vem crescendo aceleradamente e novas congregações são fundadas a cada dia. O profeta Simon Kimbangu, por exemplo, criou no Zaire (antigo Congo Belga), uma igreja cujos seguidores chegam a alguns milhões. As "Igrejas africanas independentes" chegam a milhares de movimentos religiosos entre cerca de 300 tribos diferentes. As igrejas, chamadas de proféticas, separatistas, messiânicas, sionistas, entre outros adjetivos, inicialmente fundadas em geral por denominações tradicionais, ortodoxas ou não, abandonam a conexão com os grupos fundadores e passam a desenvolver características próprias, algumas até abrigando entre seus membros uma  "pessoa divina", segundo a tendência carismática do povo africano. No mundo atual, a África, além do Brasil e da Coreia, por exemplo, é apontada como região onde o Cristianismo tem crescido muito, sendo vistas as regiões como novos celeiros missionários.

A partir da Primeira Guerra Mundial, o poder do mundo europeu começou a ruir em suas colônias ao redor do mundo. A secularização na Europa e na América do Norte foi-se acelerando e o cristianismo foi atingido. Eram mudanças que atingiam o mundo ocidental desde o século XVIII. Para o povo medieval, Igreja e Estado eram duas faces de uma mesma moeda, o Mundo Cristão. A palavra secular, não utilizada na época, era sinônimo de pagã ou heregeSagrado e secular foi uma distinção introduzida pelo Iluminismo, a partir da qual a religião passou a representar apenas parte da vida humana e não a sua totalidade. Mundo secular é aquele distanciado de Deus, que não faz sua vontade ou reconhece seus valores. Fala-se hoje em época pós-cristã. O cristianismo na Ásia tem crescido muito a partir da segunda metade do século XX. Índia, Coreia, Filipinas, Indonésia e Burma (antiga Birmânia) têm tido notável crescimento, mas outros países ainda são regiões não alcançadas.

As igrejas protestantes somente iniciaram seu movimento missionário a partir do século XIX, sendo seus missionários enviados à América Latina somente a partir da segunda metade do século, passando a investir mais maciçamente a partir da Segunda Guerra Mundial. O mundo pentecostal também cresceu proporcionalmente mais que o tradicional, praticamente igualando-se a ele ou ultrapassando-o em número. O catolicismo também experimentou um crescimento com a criação dos grupos carismáticos.

Na África, o regime colonial chegou ao fim na segunda metade do século XX. Em 1975, 42 países africanos já haviam se tornado independentes e entrado para a ONU. A liderança desses países era fruto de escolas missionárias, do ramo católico ou protestante. Movimentos de avivamento no meio cristão ocorreram no período, aumentando muito a membresia das igrejas. O grande problema ainda não solucionado é o relacionamento entre o cristianismo e a cultura local, conflito que ocorre não somente na África, mas em qualquer cultura não cristã. Costumes, deuses locais, questões morais de caráter pessoal ou comunitário são desafios para o missionário cristão.

Apesar do grande avanço do Cristianismo no mundo durante estes vinte séculos de história, atingindo nominalmente cerca de um terço da população mundial no final da segunda década do século XXI, com cerca de 2,3 bilhões de adeptos. Outras religiões importantes são, em ordem decrescente: o islamismo, com cerca de 1,8 bilhões de adeptos; o hinduísmo, com cerca de 1.1 bilhões de adeptos; o budismo, com cerca de 500 milhões de adeptos; as religiões tradicionais chinesas e africanas têm cerca de 394 milhões e 100 milhões de adeptos respectivamente; sikhismo, espiritismo, judaísmo e bahái vêm a seguir, com cerca de 65 milhões de adeptos. Dois terços do mundo ainda não aceitou o senhorio de Jesus Cristo, embora parte dele já tenha sido alcançado pela mensagem. Não atingimos ainda “os confins da terra” ordenado por Jesus no “Ide” registrado em Atos. A seara ainda é grande e os ceifeiros ainda são poucos, mesmo nos lugares já alcançados (e às vezes perdidos) pelo evangelho.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

49. CRISTIANISMO E A "GERAÇÃO DO EU"


Igreja e sociedade estão intrinsecamente inter-relacionadas. Mudanças sociais sempre influenciaram a Igreja, embora a recíproca nem sempre seja verdadeira. Houve uma revolução psicológica nos Estados Unidos no final do século XX, espalhada para o mundo ocidental. Em poucos anos, a visão religiosa tradicional da moralidade foi substituída pela nova moralidade da escolha pessoal e dos direitos humanos, procurando o homem se libertar de tradições e repressões da sociedade. A "Era da Individualidade” surgiu principalmente por duas causas: a aceitação popular da psicologia e a penetração da televisão. A terapia experimentada por soldados feridos na guerra levou as pessoas a procurar ajuda psiquiátrica para seus problemas. Romances e o cinema de Hollywood abordando problemas mentais ajudaram a difusão dessa visão terapêutica. Na década de 1950, a televisão tornou-se o veículo ideal para comunicar emoções e apelos ao mundo interior do homem. Uma década após, era considerado moderno e saudável "se soltar", ser livre,  viver o "espaço interior", onde condições psicológicas facilmente justificavam atos imorais e o pecado do homem.

A "geração baby boom", nascida nas décadas de 50, 60 e início de 1970, foi a primeira a ser atingida. Valores do passado foram substituídos por direitos e oportunidades. Liberado o "eu", compromissos como casamento, trabalho, política, religião não eram mais obrigações morais, mas instrumentos de felicidade pessoal. Saindo do controle moral, a liberação da sexualidade tornou-se aspiração social e quebrou limites. Ocorreram mudanças nas atitudes humanas, como a busca da satisfação sexual fora do casamento ou na homossexualidade. A nova ética terapêutica criou clínicas e centros de terapia, e o autocontrole, incentivado por instituições religiosas, passou a não ser visto como saudável, mas sim hipocrisia e conformismo escravizador. A televisão, apelando aos sentimentos, impactou a Era da Individualidade, desmistificando vários papéis de liderança tradicionais, levando à rejeição de líderes por liderados, atingindo o lar, a sociedade e a igreja. Divulgaram-se explosões e movimentos sociais, como a liberação de negros, mulheres, crianças, deficientes e homossexuais, por exemplo. A tradicional família judaico-cristã foi atacada, aparecendo diferentes formas de agregação familiar, ou mesmo a tendência de viver sozinho ou de "morar junto" sem casamento. A televisão colocou a informação ao alcance de toda a população até o final do século XX. Não se tinha mais a mesma opinião unânime sobre a boa sociedade, patriotismo, moralidade ou fé religiosa. Dois grupos, os tradicionais e os liberacionistas, interpretavam o mesmo valor de formas diferentes. Leis do divórcio e do aborto, fim da censura, tolerância a estilos de vida alternativos passaram a ser vistos, de um lado, como "grandes avanços para a liberdade e dignidade humanas", e de outro como "decadência moral, degeneração social e declínio nacional". A relativização da verdade e dos valores permitiu ao ser humano criar seu próprio código moral, no qual a atividade sexual voluntária é moralmente neutra; aborto, pornografia, suicídio, eutanásia, além das drogas, passaram a ser vistos como lógicos, legítimos e humanos na visão dos liberacionistas.

No Cristianismo, as duas alas formaram duas tendências: uma resistindo às mudanças e outra procurando adaptar-se a elas. Cresceu o número de pessoas caracterizadas como "sem preferência religiosa", afirmando-se crentes, mas não pertencentes a nenhuma cor cristã. Esse fato gerou a ideia da igreja como um "supermercado cultural", onde era consumido aquilo que trouxesse solução imediata para os problemas ou atendesse ao gosto da população. Surgiu o movimento chamado “Direito Religioso”, no qual o pastor batista Jerry Fawel se destacou, gerando uma coalizão de cristãos fundamentalistas, pentecostais, evangélicos e católicos preocupados com o declínio da moralidade nos Estados Unidos. Esse movimento opunha-se à "Nova Classe", representada por Peter Berger e criada como consequência da atuação da ala que defendia o humanismo secular e atacava a família tradicional. Aborto, direitos dos homossexuais e feminismo, temas combatidos de um lado, foram usados com bandeira pelo outro.

No final do século, a Igreja incorporou os “símbolos televisivos da afeição” em suas práticas litúrgicas: o sorriso largo, a compaixão e o conselho público. A igreja foi escolhida de acordo com as necessidades pessoais e não mais para buscar-se um encontro com Deus, tornando-se menos doutrinárias e mais sentimental. Como "famílias" da era do individualismo, as igrejas anunciaram-se como "ilhas de amor e aceitação em meio a uma sociedade dura e competitiva". Grande número de igrejas cresceu ainda mais, abandonando a imagem "negativa" do cristianismo denominacional, e apelou para o gosto religioso popular, tornando-se mega igrejas. Capela, centro, comunidade e church, mesmo no Brasil, substituíram igreja, por acolherem melhor e sem barreiras a pessoas de diferentes origens, como divorciados, drogados e depressivos. Os ritmos utilizados no louvor, como preparação para o culto ou apenas para entretenimento, passaram a ser "black gospel", rock e jazz, entre outros. O ministério ativo de um pregador carismático de personalidade cativante passou a ser buscado; sermões focados na aplicação da Bíblia às questões do dia a dia passaram a ser práticas das mega igrejas. A privatização americana da fé, buscando auxílio para educação dos filhos, para união familiar e para emoções pessoais, passou a oferecer edifícios novos e ministros bem treinados e eficientes, com atendimento a todas as necessidades do ser humano.

Em suma, a “Geração do Eu” opõe-se frontalmente à visão cristã tradicional do trono do coração humano ocupado por Deus, não pelo egocentrismo. "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas vos serão acrescentadas".

50. CRISTIANISMO E GLOBALIZAÇÃO


Após 74 anos de imposição ditatorial, em 1989, o marxismo, o maior experimento social da história, caiu de podre, de dentro para fora. O marco inicial foi a queda do Muro de Berlim, sem que qualquer tiro tivesse sido disparado. Era o fim de uma "estrada que não leva a lugar nenhum", conforme reconheceram os russos anos depois. Mikhail Gorbachev foi seu último líder que, com sua política de reestruturação (Perestroika) e abertura (Glasnost) reativou a economia da Rússia. As igrejas daquela sociedade até então ateia tiveram permissão para reabrir e pregar o evangelho, podendo utilizar até a TV. A Rússia tornou-se um dos maiores e mais abertos campos de missões do mundo.

O advento inaugurou o processo chamado de globalização, denominação que resume as recentes mudanças culturais, política e religiosas ocorridas em todo o mundo. A expressão "aldeia global" foi criada para definir a nova tecnologia com poder de transmitir informação que atinge o mundo todo ao mesmo tempo, tornando para as notícias o mundo em uma imensa aldeia. O Oriente comunista e o Ocidente democrático passaram a conviver mais pacificamente com suas diferenças. Acordos de livre comércio passaram a ser assinados, baseados na produção compartilhada, na qual um bem de consumo poderia ter suas peças fabricadas em diferentes países. As forças de trabalho manual diminuíram nos países desenvolvidos e aumentaram nos países em desenvolvimento, numa globalização de mercados e mão de obra.

A globalização abriu oportunidade para que as igrejas cristãs tomassem consciência da existência de pessoas de crenças completamente diferente das suas ao redor do mundo. A religião e a política influenciaram-se reciprocamente. A Rússia e suas repúblicas-satélite desistiram do estado moderno sem Deus, a Alemanha dividida uniu a parte oriental à parte ocidental e a Albânia, a mais stalinista sociedade da Europa Ocidental, tornou-se exemplo de mudança. Líderes cristãos de igrejas ecumênicas, que antes louvavam a "nobre revolução socialista", emudeceram diante da súbita queda. "O que são 200 prisioneiros num país de 200 milhões de pessoas?", questionara anteriormente um líder ecumênico, querendo menosprezar uma lista de prisioneiros batistas na antiga URSS. Numa carta de 1991, o Soviete Supremo convidou a liderança evangélica para que fossem a Moscou assessorar o governo na reconstrução dos "valores morais do cristianismo". Foi o "Projeto Ponte Cristã". Aberta a oportunidade, vários grupos cristãos diferentes aproveitaram-na, levando professores, Bíblias e literatura para as escolas russas. Houve problemas iniciais de integração cristã entre as igrejas ortodoxas e os demais grupos que lá passaram a atuar.

A ideologia do totalitarismo comunista somente permaneceu na China, na Coreia do Norte e em Cuba, além das ameaças mantidas em outros países, como no Brasil. No entanto, o totalitarismo se fez sentir no final do século e início do atual através do fundamentalismo islâmico, no norte da África e no Oriente Médio. O Irã se tornou um país de governo islâmico a partir da década de 1980. A palavra fundamentalismo assumiu um uso mais abrangente, ao referir-se não somente ao Islamismo, mas também ao Judaísmo e ao Cristianismo. Os líderes cristãos passaram a definir justiça de modo contemporizado com o momento vivido e a abrandar os métodos para explicar o evangelismo a este mundo pluralista atual. Nas últimas décadas do século XX, os Estados Unidos e outros países criaram um número crescente de pessoas que olham para o mundo e para suas próprias vidas sem terem a perspectiva e o benefício de nenhuma visão religiosa. Pluralismo religioso, o grande fluxo de hispânicos e a tecnologia que criou uma maior independência de vida, além de outros fatores, contribuíram para que isso acontecesse. Hoje há um confronto entre grande variedade de experiências espirituais e religiosas, que querem cada uma definir a realidade, mas nenhuma consegue impor-se às outras. Sentimentos internos elaboram a fé religiosa atual. A fé cristã ainda é relevante nesta sociedade pluralista por razões familiares, mas as igrejas cristãs mudaram profundamente; fidelidade a uma determinada igreja ou denominação cristã deixou de ser certeza, criando na sociedade pluralista atual uma situação de mercado religioso, onde a fé e seus serviços são bens de consumo.

No final do século XX, a liquefação da Modernidade na era que passou a ser considerada pós-moderna gerou para a Igreja do século XXI uma nova série de confrontos e conflitos que a visão religiosa pluralista advinda da globalização tende a agravar, num questionamento de identidade cristã: afinal, o que é seguir a Cristo nos dias de hoje?

EPÍLOGO


Hoje, Cristianismo é a fé nominal de um terço da população mundial (cerca de dois bilhões e trezentos milhões pessoas) e a fé prática de pelo menos um bilhão de seres humanos. Muitos infelizmente são ignorantes da história da sua igreja e, se no passado não se expunham a muitos confrontos, hoje estão mais vulneráveis a outras ideias, graças aos meios de comunicação de massa. Essa ignorância leva a erros grosseiros sobre sua fé ou à defesa de práticas pagãs como se fossem cristãs. “O desvio de ameaças da existência da fé no mundo atual e a transformação de crises em oportunidades de crescimento ao longo da história têm acontecido por causa da graça e da intermediação do próprio Deus, que não tem permitido a prevalência das ‘portas do inferno’ contra sua igreja” (Bruce Shelley).

Perseguições limparam e limpam a Casa da Fé e o confronto com heresias torna mais claras as crenças básicas da igreja. O caminho para o avanço inclui um olhar determinado para o passado, para a imagem de Deus revelada na história de Jesus e a divulgação dessa imagem de salvação ao longo da existência da igreja. Foi o que procuramos fazer até aqui. A época apostólica foi importante, os acontecimentos seguintes também foram significativos para que o evangelho chegasse aos confins da terra, e atingisse não apenas o Império Romano. Houve controvérsias que geraram polêmicas, como a igreja das catacumbas transformada em igreja palaciana em menos de um século. Grandes concílios, criação de mosteiros, casamento entre Igreja e Estado por uma dezena de séculos, crescimento do poder papal e outros fatores históricos foram responsáveis por uma Europa Cristã. Durante esse casamento, a massificação da fé, com uma igreja que representava, por si só, um império, levou a uma corrupção, na qual a igreja "ganhou o mundo, mas perdeu a sua alma". Reformistas determinados acabaram direcionando a história da Igreja para a Reforma a partir de Lutero, a qual veio com furor. Luteranos, reformados, anglicanos e anabatistas deram origem a alas que se multiplicaram, afastando a ideia da unidade tradicional de Europa Ocidental Cristã e criando o pluralismo religioso dos tempos modernos. O catolicismo reagiu, fechando-se em seus dogmas a partir de Trento e enviando ondas missionárias à Ásia, África e América Latina. As ondas protestantes criaram o conceito denominacional de igreja, gerando congregações como sociedades voluntárias separadas do Estado. Escolas de pensamento surgiram com o Modernismo, questionando a existência e a necessidade de Deus e endeusando a razão humana: Deus passou a ser uma questão de escolha pessoal. Avivamentos evangélicos procuraram restaurar a ideia de Deus na vida pública. Novos deuses surgiram na Era das Ideologias, pedindo a lealdade do homem secular: nazismo, comunismo e democracia endeusavam, pela ordem, o estado, o partido e os direitos individuais. A Guerra Fria dividiu o mundo desenvolvido em duas partes, surgindo o Terceiro Mundo, com nações em (ou sem muito) desenvolvimento. Justamente deste Terceiro Mundo surgiram lideranças cristãs fortes, uma esperança de novos tempos para a antiga fé.

Cristianismo só tem sentido se for centralizado na pessoa de Cristo, cuja imagem parece mudar segundo as necessidades humanas: a. o Messias aguardado pelos judeus, b. o Filósofo dos apologistas gregos, c. o Rei Cósmico da igreja Imperial, d. o "Logos" Celestial dos concílios ortodoxos, e. o Governador do Mundo das cortes papais, f. o modelo monárquico monástico da pobreza apostólica, g. o Salvador dos pregadores evangélicos. Que imagem tem ele na Modernidade e mesmo na era posterior a ela? "Como podem os cristãos exercer influência moral em sociedades pluralistas e totalitárias, nas quais as colocações cristãs sobre a realidade não mais prevalecem?" Este é o questionamento de Bruce Shelley no Epílogo. Ele termina seu livro afirmando sobre Jesus Cristo, o edificador da Igreja: "Na verdade, ele é um homem para todos os tempos. Em um tempo em que era visto por todos com alguém sem importância, (...) a história da igreja oferece um silencioso testemunho de que Jesus Cristo não irá sair de cena. Seu título pode mudar, mas sua verdade permanecerá por todas as gerações". Aleluia por esta fé!

 

terça-feira, 19 de maio de 2020

INTERLÚDIO: O JORNALISMO E A HISTÓRIA

O que foi apresentado até aqui é parte da ciência chamada história, que, pelas suas limitações de fontes e neutralidade, coloca como limite entre o fato histórico a ser narrado e o historiador um tempo mínimo de uma geração, que alguns entendem ser de 40 anos. Assim sendo, a história que está sendo vivida hoje somente poderá ser contada com um mínimo de neutralidade em 2050, 2060. Mas a história não para, ela é contínua no seu transcorrer. No século XX, os acontecimentos têm sido acompanhados pela mídia, nome que se dá a toda a forma de divulgação de notícia, seja ela escrita, falada, televisionada ou mesmo divulgada pelas redes sociais.

Embora a origem dos jornais não seja clara, os historiadores atribuem ao Imperador Romano Júlio César sua invenção. O imperador, além de excelente general e comandante, também foi ótimo profissional de marketing: para divulgar suas conquistas militares e informar o povo da expansão do Império (com muita propaganda pessoal), César criou a chamada Acta Diurna, o primeiro jornal de que se tem notícia no mundo. O jornal era publicado em grandes placas brancas de papel e madeira (estilo “outdoor”), expostas nas principais praças das grandes cidades para que as pessoas lessem de graça. No Império Romano, os textos eram transportados a pé ou a cavalo, e, embora publicadas praticamente todos os dias, as notícias eram de dias ou semanas atrás. Sendo publicação de jornalismo oficial, o jornal não era imparcial, nunca divulgando notícias negativas de derrotas do Exército Romano ou escândalos com pessoas públicas  aliadas ao Imperador.

Com Johannes Gutenberg, houve uma evolução dos jornais e o jornalismo deu um salto tecnológico, com a prensa de papel tornando mais ampla, rápida e barata a publicação de livros e jornais. Na Era Industrial, a atividade do jornalista passou a ser profissional, surgindo os primeiros cursos de jornalismo nas Universidades da Europa. Surgiu nessa época o conceito de liberdade de imprensa, tendo sido a Suécia o primeiro país do mundo a implementá-la em lei de 1766. Também é sueco o “Post Och Inrikes Tidningar”, de 1645, o primeiro jornal de que se tem notícia. O telégrafo foi inventado em 1844, permitindo que textos fossem repassados pelos profissionais de jornalismo às redações em questão de minutos. No início do século XX, pesquisas afirmam que um em cada dois norte-americanos adultos lia jornal uma vez por dia. Com a chegada do rádio, a mídia impressa passou a ter um concorrente. Os jornais reagiram e adotaram a publicação de fotos grandes e coloridas, substituindo as imagens em preto e branco,  além de adotarem uma linguagem mais popular e criarem novas sessões, dando espaço a esportes e humor. Outro concorrente foi a televisão, que demoliu a hegemonia do jornalismo clássico, tornando-se o principal canal de mídia do mundo a partir da segunda metade do século XX. A partir de 1980, com os computadores e a Internet, surgiu o chamado "web-jornalismo", com a agilidade da linguagem, a velocidade de atualização e o baixo custo de produção. A internet é atualmente a mídia que mais cresce no mundo. O Japão e a China são os países onde a leitura de jornais é mais intensa, com 7 entre os 10 jornais mais lidos do mundo sendo orientais.

Assim sendo, como a Igreja continua sua atuação no mundo, os próximos textos procurarão focalizar a Igreja do século XXI, época iniciada em meio a dificuldades que serão apenas mencionadas a seguir: atentados terroristas de 11/09/2001; guerra contra o terror; invasão do Iraque pelos EUA em 2003; tsunami de 2004; terremotos e outros eventos catastróficos da natureza; guerras e conflitos em diferentes partes do mundo; “Primavera Árabe”; eleição de Barack Obama em 2008 para a presidência dos EUA; grande crise econômica de 2008; eleição de Donald Trump em 2016 como sucessor de Obama; novos avanços tecnológicos e descobertas científicas. Na área da Igreja, envolvendo o catolicismo, tivemos como acontecimentos: morte  do papa João Paulo II; eleição do novo papa Bento XVI; renúncia de Bento XVI; eleição do Papa Francisco.

Ao escrevermos este texto, em 2020, estamos convivendo com uma pandemia muito séria provocada pelo vírus chamado de COVID-19, que provocou um confinamento da população em grande parte do mundo, principalmente no Brasil, além de paralisação na economia dos diferentes países, com consequências que somente a história poderá explicar depois desta geração.

Os textos colocados como anexos a seguir não serão históricos, mas apresentam comentários sobre diferentes aspectos que têm afetado a atuação Igreja nesta era, que já está sendo chamada de Pós-Modernidade, embora prefiramos a denominação Modernidade Líquida, já que as promessas da Modernidade derreteram, viraram água, se esvaíram, deixando uma sensação de frustração na geração atual. Essa sensação se agravou com a pandemia de 2020, por conta do COVID19, que trará tempos diferentes após sua passagem pelo mundo. Esperamos por uma “nova normalidade”, seja isto o que for. Que Deus tenha compaixão do cristão, de sua Igreja e da humanidade em geral.

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...