quarta-feira, 20 de maio de 2020

49. CRISTIANISMO E A "GERAÇÃO DO EU"


Igreja e sociedade estão intrinsecamente inter-relacionadas. Mudanças sociais sempre influenciaram a Igreja, embora a recíproca nem sempre seja verdadeira. Houve uma revolução psicológica nos Estados Unidos no final do século XX, espalhada para o mundo ocidental. Em poucos anos, a visão religiosa tradicional da moralidade foi substituída pela nova moralidade da escolha pessoal e dos direitos humanos, procurando o homem se libertar de tradições e repressões da sociedade. A "Era da Individualidade” surgiu principalmente por duas causas: a aceitação popular da psicologia e a penetração da televisão. A terapia experimentada por soldados feridos na guerra levou as pessoas a procurar ajuda psiquiátrica para seus problemas. Romances e o cinema de Hollywood abordando problemas mentais ajudaram a difusão dessa visão terapêutica. Na década de 1950, a televisão tornou-se o veículo ideal para comunicar emoções e apelos ao mundo interior do homem. Uma década após, era considerado moderno e saudável "se soltar", ser livre,  viver o "espaço interior", onde condições psicológicas facilmente justificavam atos imorais e o pecado do homem.

A "geração baby boom", nascida nas décadas de 50, 60 e início de 1970, foi a primeira a ser atingida. Valores do passado foram substituídos por direitos e oportunidades. Liberado o "eu", compromissos como casamento, trabalho, política, religião não eram mais obrigações morais, mas instrumentos de felicidade pessoal. Saindo do controle moral, a liberação da sexualidade tornou-se aspiração social e quebrou limites. Ocorreram mudanças nas atitudes humanas, como a busca da satisfação sexual fora do casamento ou na homossexualidade. A nova ética terapêutica criou clínicas e centros de terapia, e o autocontrole, incentivado por instituições religiosas, passou a não ser visto como saudável, mas sim hipocrisia e conformismo escravizador. A televisão, apelando aos sentimentos, impactou a Era da Individualidade, desmistificando vários papéis de liderança tradicionais, levando à rejeição de líderes por liderados, atingindo o lar, a sociedade e a igreja. Divulgaram-se explosões e movimentos sociais, como a liberação de negros, mulheres, crianças, deficientes e homossexuais, por exemplo. A tradicional família judaico-cristã foi atacada, aparecendo diferentes formas de agregação familiar, ou mesmo a tendência de viver sozinho ou de "morar junto" sem casamento. A televisão colocou a informação ao alcance de toda a população até o final do século XX. Não se tinha mais a mesma opinião unânime sobre a boa sociedade, patriotismo, moralidade ou fé religiosa. Dois grupos, os tradicionais e os liberacionistas, interpretavam o mesmo valor de formas diferentes. Leis do divórcio e do aborto, fim da censura, tolerância a estilos de vida alternativos passaram a ser vistos, de um lado, como "grandes avanços para a liberdade e dignidade humanas", e de outro como "decadência moral, degeneração social e declínio nacional". A relativização da verdade e dos valores permitiu ao ser humano criar seu próprio código moral, no qual a atividade sexual voluntária é moralmente neutra; aborto, pornografia, suicídio, eutanásia, além das drogas, passaram a ser vistos como lógicos, legítimos e humanos na visão dos liberacionistas.

No Cristianismo, as duas alas formaram duas tendências: uma resistindo às mudanças e outra procurando adaptar-se a elas. Cresceu o número de pessoas caracterizadas como "sem preferência religiosa", afirmando-se crentes, mas não pertencentes a nenhuma cor cristã. Esse fato gerou a ideia da igreja como um "supermercado cultural", onde era consumido aquilo que trouxesse solução imediata para os problemas ou atendesse ao gosto da população. Surgiu o movimento chamado “Direito Religioso”, no qual o pastor batista Jerry Fawel se destacou, gerando uma coalizão de cristãos fundamentalistas, pentecostais, evangélicos e católicos preocupados com o declínio da moralidade nos Estados Unidos. Esse movimento opunha-se à "Nova Classe", representada por Peter Berger e criada como consequência da atuação da ala que defendia o humanismo secular e atacava a família tradicional. Aborto, direitos dos homossexuais e feminismo, temas combatidos de um lado, foram usados com bandeira pelo outro.

No final do século, a Igreja incorporou os “símbolos televisivos da afeição” em suas práticas litúrgicas: o sorriso largo, a compaixão e o conselho público. A igreja foi escolhida de acordo com as necessidades pessoais e não mais para buscar-se um encontro com Deus, tornando-se menos doutrinárias e mais sentimental. Como "famílias" da era do individualismo, as igrejas anunciaram-se como "ilhas de amor e aceitação em meio a uma sociedade dura e competitiva". Grande número de igrejas cresceu ainda mais, abandonando a imagem "negativa" do cristianismo denominacional, e apelou para o gosto religioso popular, tornando-se mega igrejas. Capela, centro, comunidade e church, mesmo no Brasil, substituíram igreja, por acolherem melhor e sem barreiras a pessoas de diferentes origens, como divorciados, drogados e depressivos. Os ritmos utilizados no louvor, como preparação para o culto ou apenas para entretenimento, passaram a ser "black gospel", rock e jazz, entre outros. O ministério ativo de um pregador carismático de personalidade cativante passou a ser buscado; sermões focados na aplicação da Bíblia às questões do dia a dia passaram a ser práticas das mega igrejas. A privatização americana da fé, buscando auxílio para educação dos filhos, para união familiar e para emoções pessoais, passou a oferecer edifícios novos e ministros bem treinados e eficientes, com atendimento a todas as necessidades do ser humano.

Em suma, a “Geração do Eu” opõe-se frontalmente à visão cristã tradicional do trono do coração humano ocupado por Deus, não pelo egocentrismo. "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas vos serão acrescentadas".

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...