"Os sistemas humanos nascem,
florescem e declinam porque os processos do tempo têm seu próprio
julgamento. Instituições que à primeira vista parecem meritórias, muitas
vezes transformam-se em ruínas porque o tempo se encarrega de mostrar suas
falhas"
(Herbert Butterfield). Foi o que ocorreu no final da Idade Média com o papado e
o seu legado religioso. "Avignon" e "o Grande Cisma "
revelaram o abuso do poder: com o tempo, a natureza humana transforma o que é
bom em algo abusivo. O francês Pedro Valdo, o inglês John Wyclif e o tcheco Jan
Hus denunciaram um abuso de poder do Catolicismo, prenunciando a reforma maior
por vir.
No século XII surgiu o movimento iniciado por Pedro
Valdo, de Lyon, na França. O movimento foi fundamentado na Bíblia. Valdo, rico
comerciante da cidade, distribuiu sua fortuna e devotou-se ao evangelho. Com
voto de pobreza, seus seguidores, os “Pobres Homens” de Lyon, viajavam e pregavam
ao povo, denunciando os erros da igreja romana. Perseguido, seu movimento se
refugiou em diferentes regiões da Europa. No século XVI, os Valdenses aderiram
à Reforma calvinista. Hoje em dia são um ramo do protestantismo ainda existente
na Itália.
John Cliff viveu e trabalhou na Universidade de
Oxford, na Inglaterra, na segunda metade do século XIV. Ele discutia em sua
época de quem era o senhorio sobre os homens, de Deus, ou do papa; se era de
Deus, qual deveria ser o papel da igreja no contexto. Wyclif defendia a
liberdade espiritual do justo, num "domínio baseado na graça".
Defendia um “papado bíblico”, sem ouro nem prata, em uma vida de pobreza. "Cristo
é a verdade", afirmou ele, "o papa é o princípio da
falsidade". Wyclif opôs-se à maioria dos dogmas católicos e com isso
prenunciou a Reforma por vir. Ao se opor à transubstanciação, ele foi afastado
de Oxford. Buscou então pregar para a população do campo e das vilas, usando
uma tradução bíblica do latim para o inglês que havia feito; criou então, por
inspiração de Francisco de Assis, os lolardos (ou “resmungões”)
sacerdotes pobres que saíam pregando pelas regiões inglesas. Morreu afastado de
Oxford no final do século XIV.
Um ano antes da morte de Wyclif, o Reino da
Boêmia se uniu em um casamento ao da Inglaterra e as Universidades de Praga e
Oxford iniciaram um intercâmbio de estudantes. Através desse intercâmbio, Jan
Hus (1373-1415), reitor na Universidade de Praga, tomou contato com a obra de
Wyclif e adotou suas ideias, começando a criticar os abusos do poder do papado
através da Capela de Belém, onde ministrava. Hus atacou inclusive a venda de
indulgências de sua época. O movimento cresceu, gerou oposição de Roma, que
determinou a excomunhão de Hus. Atendendo a um convite do Imperador, Hus foi ao
Concílio de Constance, tendo sido preso, acusado de heresia, submetido à
Inquisição e condenado. Não se retratando se suas ideias, ele foi executado na
fogueira; o dia era 6 de julho de 1415. Tendo desempenhado um importante papel
na história literária tcheca, hoje sua estátua pode ser vista em uma praça de
Praga. Seus seguidores ficaram conhecidos como Hussitas. O movimento
sobreviveu como igreja independente, a “Unitas Fratrum”, ou “Unidade dos
Irmãos”, com os morávios, os precursores das modernas missões mundiais para
expansão do evangelho, a fim de que ele alcance os confins da terra.
Consta que, antes de morrer, Hus (cujo significado em língua checa é “ganso”), teria dito algo como: “Hoje vocês assam um ganso na fogueira mas, daqui a cem anos, aparecerá um cisne que não poderá ser calado”. Se isto for verdade histórica, a frase foi profética, pois, no dia 31 de outubro de 1517, pouco mais de um século após Hus, Lutero divulgaria suas 95 teses na Universidade de Wittenberg, na Alemanha, no início da Reforma Protestante. O que Hus viu como um cisne, o papa que excomungou Lutero chamou de “um javali selvagem que devastava os jardins do Senhor”. Grande foi a devastação provocada pela Reforma no desvio cristão promovido por Roma e prenunciada por Wyclif, Hus e outros.