O alerta dado por Paulo aos Gálatas sobre a
pregação de "outro evangelho" estava na mente dos cristãos
primitivos, que conviviam com a ortodoxia do evangelho apostólico e as
heresias que apareciam confrontando a fé. Quem é Deus? O criador dotou o homem
de pensamento racional e, embora a racionalidade não resolva o problema por si
só, ela deve ser usada para achar as respostas. "Existe a intenção de
que o homem debata com Deus", afirmou o escritor inglês Charles
Williams, e isso induz à teologia. Teologia é o estudo racional de Deus, uma
ciência humana que não se mistura à prática da religião. Teologia é o
entendimento humano da revelação e o esforço para expressá-lo de modo claro no
ensino e na prática. Havia dois panos de fundo culturais em contraste desde o
início da igreja: o judaico e o grego; para os cristãos judeus, Deus era o Jeová
do Antigo Testamento; para os cristãos gregos, Deus era inicialmente uma
abstração filosófica. Os cristãos judeus assimilaram as profecias e conheciam
Jesus como Messias, mas para os gregos neófitos, Jesus era um conceito a ser
assimilado. É preciso que o cristão acredite que Jesus veio "em
carne", base indispensável para a salvação. Dentre as heresias, a mais
ambiciosa foi o gnosticismo, uma variedade de movimentos onde havia um
"guru", um filósofo, que possuía a "gnosis", o conhecimento
do segredo do caminho da vida. A crença básica dos gnósticos era o
dualismo, com o mundo dividido entre duas forças cósmicas: o bem (a divindade)
e o mal (a matéria). Em seu esforço de conciliar Cristo e o evangelho com a
ciência e filosofia de seu tempo, os gnósticos negavam a vinda do Messias e
assim perderam o rumo do evangelho. Contra a heresia dos gnósticos, a igreja
criou o credo, uma declaração de fé que os cristãos decoravam, servindo de
base para a devoção pessoal e o compartilhamento da mensagem do evangelho.
Espiritualmente, o homem não precisa de um professor, precisa de um Salvador.
A canonização do Novo Testamento deu-se por etapas. Vários fatores influenciaram o processo de seleção para que os 27 livros viessem a compô-lo. Primeiro, deveriam ser livros com uma qualidade evidente: sua singularidade, por exercerem um poder sem paralelo na vida dos homens; deveriam ser textos utilizados por diferentes congregações e lidos durante o culto; relação de seu autor com algum apóstolo, tendo sido escrito por ele ou por alguém que tivesse tido contato pessoal com ele (a causa mais importante). Marcião talvez tenha sido o primeiro a criar uma relação de livros que ele julgava inspirados, um primeiro cânon neotestamentário. No entanto, opondo-se a tudo o que fosse de origem judaica, ele aceitava apenas o evangelho de Lucas, retirando-se partes referentes aos judeus, bem como dez cartas de Paulo. Como se tratava de uma igreja herege a que foi por ele formada, sua participação foi rejeitada e parece que a Igreja acordou para a necessidade de definir o cânon do Novo Testamento.
Assim, além de manter o Antigo Testamento como Escritura, a igreja passou a definir, entre centenas de livros existentes e que circulavam entre as congregações, quais seriam os realmente inspirados, os canônicos. A partir do ano 200, a seleção começou pelo "Canon de Muratori" (que leva o nome do descobridor do texto), o qual continha os quatro evangelhos, o livro de Atos e dez cartas de Paulo. Contando com a contribuição de Orígenes, Eusébio e outros, chegamos ao Concilio de Cartago, no final do século quarto, que definiu os 27 livros atuais. Nessa seleção, houve livros que foram incluídos após debate entre lideranças e congregações quanto a eles. Os últimos livros a serem incluídos entre os 27 foram as cartas de Tiago, II Pedro, II e III de João e Judas. Além disso, ficaram de fora cerca de meia dúzia de textos que chegaram a ser cogitados para integrar o Novo Testamento: O Pastor (de Hermas), a Carta de Barnabé, o Evangelho dos Hebreus, o Apocalipse de Pedro, os Atos de Pedro e o Didaquê. Foram livros que circularam entre as congregações, considerados edificantes em sua leitura, mas não satisfizeram as condições estabelecidas para a canonização.