Se a reforma luterana começou em uma cela
monástica, a anabatista numa reunião de louvor e a calvinista na mesa de um
estudioso, a reforma inglesa se deu a partir de questões de estado, especificamente do
problema da sucessão do trono real. O rei revoltou-se contra o Papa Clemente
VII porque queria casar-se com Ana Bolena, buscando ter um descendente
masculino que pudesse sucedê-lo no trono. Para isso, precisava anular seu
casamento com Catarina de Aragão, que somente lhe havia dado uma
filha chamada Maria; a anulação foi negada pelo bispo de Roma, que
politicamente dependia do apoio do rei da Espanha, Carlos V, o qual era também
o imperador do Sacro Império Romano Germânico e tio da rainha Catarina. Henrique VIII considerava-se o guardião do
dogma católico, pois, em 1521, o rei escreveu um texto de apoio aos sete
sacramentos atacados por Lutero, recebendo por isso a honraria papal de
“Defensor da Fé”, título ainda ostentado pelos monarcas ingleses nos dias de
hoje.
De certa forma, a Inglaterra teve duas reformas:
uma constitucional, sob o reinado de Henrique VIII, e outra teológica, sob influência
dos puritanos, no reinado de Elizabeth I. Com Henrique VIII, nada mudou
doutrinariamente: a Inglaterra simplesmente rejeitou a autoridade do papa de
Roma. Tornando-se chefe da igreja anglicana, mas não sendo um sacerdote com
formação teológica, Henrique delegou a responsabilidade de direção eclesiástica
ao arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer. Somente duas mudanças de
importância surgiram durante seu reinado: a supressão dos monastérios e
a publicação de uma Bíblia inglesa para uso nas igrejas, a versão de
Miles Tyndale retomada por Coverdale. Henrique VIII usou as propriedades
monásticas confiscadas para encher os cofres reais e obter o apoio dos barões
nobres que as assumiram; assim ele reduziu a oposição à sua política e
conquistou novos aliados.
Eduardo VI, sucessor de Henrique e seu único
filho varão legítimo, era uma frágil criança ao assumir o trono. Com ele, a Reforma
Protestante progrediu muito mais do que com seu pai, graças à gestão de dois
regentes. O processo foi interrompido com a morte do rei-adolescente e a
ascensão ao trono de Maria, filha de Catarina e neta de Fernando e Isabel de
Espanha, os Reis Católicos. Maria, a Sanguinária (alcunha dada à rainha por
Foxe), anulou os atos de seu pai e de seu irmão, reatando as relações
eclesiásticas com Roma. Seu governo causou a execução de cerca de 300
protestantes e a fuga de cerca de 800 para o continente europeu. John Foxe, um
dos refugiados (acima mencionado), relatou esses fatos no “Livro dos Mártires”,
publicado em 1571. Após curto reinado, assumiu Elizabeth I, filha de Ana
Bolena, em cujo longo reinado a igreja anglicana definiu seu caráter distintivo
como uma igreja em duas alas, uma católica e outra protestante, a chamada Via
Média. O puritanismo, os pregadores da retidão pessoal e nacional,
movimento surgido na igreja anglicana durante o final do reinado dos Tudors,
desempenharia importante papel na Reforma Protestante ocorrida na Inglaterra.