sexta-feira, 10 de julho de 2020

26. ANGLICANISMO

Se a reforma luterana começou em uma cela monástica, a anabatista numa reunião de louvor e a calvinista na mesa de um estudioso, a reforma inglesa se deu a partir de questões de estado, especificamente do problema da sucessão do trono real. O rei revoltou-se contra o Papa Clemente VII porque queria casar-se com Ana Bolena, buscando ter um descendente masculino que pudesse sucedê-lo no trono. Para isso, precisava anular seu casamento com Catarina de Aragão, que somente lhe havia dado uma filha chamada Maria; a anulação foi negada pelo bispo de Roma, que politicamente dependia do apoio do rei da Espanha, Carlos V, o qual era também o imperador do Sacro Império Romano Germânico e tio da rainha Catarina.  Henrique VIII considerava-se o guardião do dogma católico, pois, em 1521, o rei escreveu um texto de apoio aos sete sacramentos atacados por Lutero, recebendo por isso a honraria papal de “Defensor da Fé”, título ainda ostentado pelos monarcas ingleses nos dias de hoje.

De certa forma, a Inglaterra teve duas reformas: uma constitucional, sob o reinado de Henrique VIII, e outra teológica, sob influência dos puritanos, no reinado de Elizabeth I. Com Henrique VIII, nada mudou doutrinariamente: a Inglaterra simplesmente rejeitou a autoridade do papa de Roma. Tornando-se chefe da igreja anglicana, mas não sendo um sacerdote com formação teológica, Henrique delegou a responsabilidade de direção eclesiástica ao arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer. Somente duas mudanças de importância surgiram durante seu reinado: a supressão dos monastérios e a publicação de uma Bíblia inglesa para uso nas igrejas, a versão de Miles Tyndale retomada por Coverdale. Henrique VIII usou as propriedades monásticas confiscadas para encher os cofres reais e obter o apoio dos barões nobres que as assumiram; assim ele reduziu a oposição à sua política e conquistou novos aliados.

Eduardo VI, sucessor de Henrique e seu único filho varão legítimo, era uma frágil criança ao assumir o trono. Com ele, a Reforma Protestante progrediu muito mais do que com seu pai, graças à gestão de dois regentes. O processo foi interrompido com a morte do rei-adolescente e a ascensão ao trono de Maria, filha de Catarina e neta de Fernando e Isabel de Espanha, os Reis Católicos. Maria, a Sanguinária (alcunha dada à rainha por Foxe), anulou os atos de seu pai e de seu irmão, reatando as relações eclesiásticas com Roma. Seu governo causou a execução de cerca de 300 protestantes e a fuga de cerca de 800 para o continente europeu. John Foxe, um dos refugiados (acima mencionado), relatou esses fatos no “Livro dos Mártires”, publicado em 1571. Após curto reinado, assumiu Elizabeth I, filha de Ana Bolena, em cujo longo reinado a igreja anglicana definiu seu caráter distintivo como uma igreja em duas alas, uma católica e outra protestante, a chamada Via Média. O puritanismo, os pregadores da retidão pessoal e nacional, movimento surgido na igreja anglicana durante o final do reinado dos Tudors, desempenharia importante papel na Reforma Protestante ocorrida na Inglaterra.

Assim a Inglaterra, cujo início na fé cristã  remonta ao final do primeiro século, levado por cristãos que fugiam das perseguições; que teve a igreja cristã estabelecida inicialmente entre os celtas, os quais enviaram três bispos ao Concílio de Arless, em 314; que recebeu missionários enviados por Roma para as regiões anglo-saxônicas; que teve em John Wycliffe, no século XIV, um precursor da Reforma, ao propor mudanças no catolicismo da Inglaterra que só iriam se concretizar dois séculos depois; que ainda tinha seguidores do pré-reformador, os lolardos, no século XVI; essa mesma Inglaterra viu a Reforma Protestante chegar às suas terras de forma bastante diferenciada daquela que havia assumido no continente europeu.

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...