Existem sempre visões radicais em todos os
movimentos de mudança ocorridos na história; a ala mais radical da Reforma
surgida com Lutero foi o Anabatismo. Úlrico Zuinglio, em Zurique, na Suíça,
tinha como ponto central de suas ideias reformadoras as Escrituras – e somente
elas – como obrigatórias aos crentes, normatizando a vida de fé e prática. Para
ele, a comunidade tinha a palavra final na interpretação das Escrituras, a “comunidade
hermenêutica”. Com o apoio do Conselho da cidade, Zuinglio começou a reforma,
trocando a missa católica pelo culto evangélico e eliminando símbolos
tradicionais do catolicismo, como velas, estátuas, música e pinturas. No
entanto, como dependia do apoio do Conselho, sua reforma não podia ser mais
ampla, abrangendo outros aspectos, como gostariam seus seguidores. A recusa ao batismo
de crianças por parte de seguidores, substituindo-o pelo batismo do
convertido, provocou uma ruptura e a fuga do grupo mais extremado.
Três dos seus seguidores, Blaurock, Grebel e
Mantz, decidiram se rebatizar. O fato teve profundas implicações políticas,
porque, ao se rebatizarem, os praticantes estavam negando o poder estatal de
decidir a religião dos súditos, afirmando que a fé é uma questão de foro íntimo
e que ninguém pode decidir por qualquer pessoa a religião que irá seguir. Em
uma época em que a Igreja Católica era um Estado, em que Lutero e Calvino
estavam vinculados ao Estado seja para proteção ou para governo, os anabatistas
passaram a defender a separação entre igreja e Estado, fato revolucionário.
Os anabatistas foram perseguidos por suas
posições e fugiram de uma parte a outra da Europa, em busca de regiões onde
reis os tolerassem. Desenvolveram a ética do trabalho, sendo exímios
lavradores, forma encontrada para evitar que fossem constantemente expulsos,
por causa dos lucros que traziam.
Outro aspecto foi a observância do princípio da
não-violência, negando a pena de morte e até a morte por legítima defesa. As comunidades
anabatistas recusam o serviço militar, o uso de armas, não apoiando ações
bélicas e rejeitam a ideia de “guerra justa”.
Outro elemento no anabatismo é o estilo de vida
simples. Afirmam eles que a pessoa deve viver com o mínimo para que tenha uma
vida decente, sem se entregar ao luxo e ao consumismo. Entre os mais radicais
estão os Amish, que se recusam a usar energia elétrica, telefone, carros, usam
charretes e se vestem de forma simples, com roupas escuras e sem adornos.
Outros, menos radicais, procuram não ter mais que um aparelho de TV na casa,
compram somente o que é necessário e evitam coisas caras e dispendiosas.
Este modelo de vida é, muitas vezes,
acompanhado de outro elemento: evitam gastar consigo mesmo para que possam ter
mais para ajudar pessoas que realmente estão em necessidade.
Saindo de Zurique, os anabatistas encontraram
refúgio na Morávia, sob a liderança em Jacob Hutter, Menno Simons e outros,
dando este último o nome ao grupo anabatista mais importante atualmente,
os Menonitas. No final do século XX, seus membros, espalhados pelo mundo,
chegam a mais de meio milhão. Além disso, muitos grupos protestantes foram
influenciados e adotaram um ou mais princípios pelos quais a primeira geração
de radicais morreu.
“Anabatistas” significa “rebatizadores”, grupo que no início era uma voz chamando os reformadores moderados para combater em maior profundidade os fundamentos da antiga ordem romana. No entanto, faltava ao movimento coerência e não existia um corpo de doutrina ou organização unificada entre eles. Com o desenvolvimento, o movimento se caracterizou por ênfase no discipulado, no amor uns para com os outros, na visão congregacional da autoridade da Igreja e na insistência da separação entre igreja e estado. Muitos perderam a vida, no início do movimento, para que seus ideais atingissem até os nossos dias, com um grupo menor de participantes em relação aos demais, mas com influências que ainda hoje se fazem sentir neste Cristianismo tão dividido e materializado do século XXI.