Mesmo no Iluminismo, a sede da alma não podia
ser ignorada; o pietismo lembrou esse fato. Em meados do século XVII, Blaise
Pascal teve seus segredos descobertos após a morte, quando confessou ter
abandonado a fé, renunciado a Deus e, após arrependimento, voltado para ele,
embora isso tenha sido feito somente no seu coração. Talvez essa conversão
tenha motivado frases como "o coração tem razões que a própria razão
desconhece".
O pietismo surgiu desafiando a fé nominal do
luteranismo um século após Lutero: fé pessoal, conversão e transferência
da fé cristã das igrejas estatais para a comunidade foram características do
movimento. Spener começou a "reunião dos pios", que deu origem ao
movimento, ao qual Francke deu
continuidade; Zinzendorf acolheu em sua propriedade os morávios da "Unitas
Fratrum", a Fraternidade Unida. Os acolhidos eram remanescentes de um
movimento morávio quase dizimado por perseguição religiosa na Boêmia e na
Moravia, cuja origem remonta a Jan Huss, o "ganso" martirizado um
século antes do surgimento do "cisne" por ele profetizado chamado
Lutero. O movimento ali surgido tinha visão missionária bastante acentuada,
tendo enviado pregadores para várias partes do mundo, inclusive para a Georgia,
nos Estados Unidos.
Com relação a missões, o desenvolvimento
posterior da Reforma não incentivou a pregação a outros povos. Pelo contrário,
as igrejas territoriais e a teologia da eleição e da predestinação de Lutero e
Calvino, de certa forma, foram barreiras para a formação de uma consciência
missionária com relação à salvação do outro. A partir do surgimento das igrejas
territoriais, as fronteiras que separam os eleitos dos condenados se
estabeleceram nitidamente, desincentivando qualquer iniciativa para reverter a situação.
Populações fora do âmbito das igrejas evangélicas ou reformadas estavam
condenadas. Por isso, o início de um movimento missionário protestante só teria
início no século XVIII com os pietistas.
O teólogo luterano Phillip Jacob Spener (1635-1705)
viveu pouco mais de 100 anos após a Reforma da Igreja na Europa. Sua
preocupação era com o “mundanismo escandaloso” das igrejas e sua esperança de
renovação baseou-se na conversão de judeus ao Cristianismo nos primeiros
séculos da igreja. Shelley afirma que sua obra procurava enfatizar “a conversão pessoal, a
santificação, a experiência religiosa, a diminuição na ênfase aos credos e
confissões, a necessidade de renunciar o mundo, a fraternidade universal dos
crentes e uma abertura à expressão religiosa das emoções”. Um século
após a Reforma, as igrejas da Alemanha estavam enfraquecidas por causa da
ênfase excessiva dada aos sacramentos, e o clero se envolvia em disputas
teológicas intermináveis. Na última seção do livro, Spener apresenta seis
medidas concretas para a reforma da igreja: disseminação da Palavra de Deus;
nova ênfase na doutrina do sacerdócio de todos os crentes, minimizando diferenças
entre leigos e clero; maior atenção ao cultivo da vida espiritual individual; a
verdade estabelecida através do arrependimento e de uma vida santa, e não em
disputas; “verdadeiros cristãos” como candidatos ao ministério; sermões para edificar
os crentes e produzir os efeitos da fé, não de demonstração de erudição do
pregador. O pietismo ganhou força e influenciou o surgimento de movimentos
religiosos independentes de inspiração protestante, tais como o Metodismo, o Evangelicalismo
e o Pentecostalismo.
O alemão August Hermann Francke (1663 - 1727) foi
continuador das ideias de Spener no Pietismo, seguido por Nicolaus Ludwig von
Zinzendorf (1700-1760), que acabou por abrigar os Irmãos Morávios, assunto que
será ampliado em texto posterior.
Tendo tido um encontro, existem registros de um
diálogo entre Zinzendorf e Wesley sobre a “santidade completa” e, no desenrolar
da conversa, nota-se a diferença de interpretação entre os dois líderes com
relação ao tema. O pensamento de Zinzendorf era de que toda a nossa perfeição
está em Cristo, pois ela consiste em confiar no sangue do Cordeiro. Toda
perfeição cristã é imputada, não inerente; nunca seremos perfeitos em nós
mesmos, só em Cristo: o homem não possui nenhuma santidade em si mesmo. O dom
do Espírito Santo, dado ao cristão a partir do Pentecostes, não diz respeito à
santidade própria deles, sendo apenas um dom de milagres. A posição de Wesley
era bem diferente. Spener, Francke e Zinzendorf foram muito lidos por Sören
Kierkegaard, teólogo dinamarquês que influenciou o movimento pentecostal, de
origem wesleyana.
Concluindo, o pietismo começou como um movimento de reforma dentro da Igreja Luterana, mas hoje influencia praticamente todo o protestantismo tradicional e o movimento pentecostal. Sua influência é sentida na música de Bach e de Handel, em outras áreas e também no movimento missionário moderno, o maior e o mais importante legado desse despertamento ajustado às necessidades da igreja em nossos tempos.