quinta-feira, 9 de julho de 2020

33. PIETISMO

Mesmo no Iluminismo, a sede da alma não podia ser ignorada; o pietismo lembrou esse fato. Em meados do século XVII, Blaise Pascal teve seus segredos descobertos após a morte, quando confessou ter abandonado a fé, renunciado a Deus e, após arrependimento, voltado para ele, embora isso tenha sido feito somente no seu coração. Talvez essa conversão tenha motivado frases como "o coração tem razões que a própria razão desconhece".

O pietismo surgiu desafiando a fé nominal do luteranismo um século após Lutero: fé pessoal, conversão e transferência da fé cristã das igrejas estatais para a comunidade foram características do movimento. Spener começou a "reunião dos pios", que deu origem ao movimento, ao qual  Francke deu continuidade; Zinzendorf acolheu em sua propriedade os morávios da "Unitas Fratrum", a Fraternidade Unida. Os acolhidos eram remanescentes de um movimento morávio quase dizimado por perseguição religiosa na Boêmia e na Moravia, cuja origem remonta a Jan Huss, o "ganso" martirizado um século antes do surgimento do "cisne" por ele profetizado chamado Lutero. O movimento ali surgido tinha visão missionária bastante acentuada, tendo enviado pregadores para várias partes do mundo, inclusive para a Georgia, nos Estados Unidos.

Com relação a missões, o desenvolvimento posterior da Reforma não incentivou a pregação a outros povos. Pelo contrário, as igrejas territoriais e a teologia da eleição e da predestinação de Lutero e Calvino, de certa forma, foram barreiras para a formação de uma consciência missionária com relação à salvação do outro. A partir do surgimento das igrejas territoriais, as fronteiras que separam os eleitos dos condenados se estabeleceram nitidamente, desincentivando qualquer iniciativa para reverter a situação. Populações fora do âmbito das igrejas evangélicas ou reformadas estavam condenadas. Por isso, o início de um movimento missionário protestante só teria início no século XVIII com os pietistas.

O teólogo luterano Phillip Jacob Spener (1635-1705) viveu pouco mais de 100 anos após a Reforma da Igreja na Europa. Sua preocupação era com o “mundanismo escandaloso” das igrejas e sua esperança de renovação baseou-se na conversão de judeus ao Cristianismo nos primeiros séculos da igreja. Shelley afirma que sua obra procurava enfatizar “a conversão pessoal, a santificação, a experiência religiosa, a diminuição na ênfase aos credos e confissões, a necessidade de renunciar o mundo, a fraternidade universal dos crentes e uma abertura à expressão religiosa das emoções”. Um século após a Reforma, as igrejas da Alemanha estavam enfraquecidas por causa da ênfase excessiva dada aos sacramentos, e o clero se envolvia em disputas teológicas intermináveis. Na última seção do livro, Spener apresenta seis medidas concretas para a reforma da igreja: disseminação da Palavra de Deus; nova ênfase na doutrina do sacerdócio de todos os crentes, minimizando diferenças entre leigos e clero; maior atenção ao cultivo da vida espiritual individual; a verdade estabelecida através do arrependimento e de uma vida santa, e não em disputas; “verdadeiros cristãos” como candidatos ao ministério; sermões para edificar os crentes e produzir os efeitos da fé, não de demonstração de erudição do pregador. O pietismo ganhou força e influenciou o surgimento de movimentos religiosos independentes de inspiração protestante, tais como o Metodismo, o Evangelicalismo e o Pentecostalismo.

O alemão August Hermann Francke (1663 - 1727) foi continuador das ideias de Spener no Pietismo, seguido por Nicolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760), que acabou por abrigar os Irmãos Morávios, assunto que será ampliado em texto posterior.  

Tendo tido um encontro, existem registros de um diálogo entre Zinzendorf e Wesley sobre a “santidade completa” e, no desenrolar da conversa, nota-se a diferença de interpretação entre os dois líderes com relação ao tema. O pensamento de Zinzendorf era de que toda a nossa perfeição está em Cristo, pois ela consiste em confiar no sangue do Cordeiro. Toda perfeição cristã é imputada, não inerente; nunca seremos perfeitos em nós mesmos, só em Cristo: o homem não possui nenhuma santidade em si mesmo. O dom do Espírito Santo, dado ao cristão a partir do Pentecostes, não diz respeito à santidade própria deles, sendo apenas um dom de milagres. A posição de Wesley era bem diferente. Spener, Francke e Zinzendorf foram muito lidos por Sören Kierkegaard, teólogo dinamarquês que influenciou o movimento pentecostal, de origem wesleyana.

Concluindo, o pietismo começou como um movimento de reforma dentro da Igreja Luterana, mas hoje influencia praticamente todo o protestantismo tradicional e o movimento pentecostal. Sua influência é sentida na música de Bach e de Handel, em outras áreas e também no movimento missionário moderno, o maior e o mais importante legado desse despertamento ajustado às necessidades da igreja em nossos tempos. 

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...