segunda-feira, 13 de julho de 2020

9. AGOSTINHO DE HIPONA

"Minha voz morre em minha garganta. A cidade que tornou todo o mundo cativo é agora cativa", disse Jerônimo, diante da queda de Roma no século quinto. Em Hipona, na África, o bispo Agostinho assistiu à chegada dos refugiados, ajudou-os na acomodação em nova cidade de residência e buscou explicações para o inexplicável fato; sua obra gerou uma filosofia que alicerçou  a Cristandade, serviu de base para o Catolicismo romano e, mais de 10 séculos depois, daria para o Protestantismo sua visão sobre pecado e graça.

Filho de um pagão e de uma cristã, Agostinho teve de seus pais a melhor educação possível. Quando jovem, viveu uma vida dissoluta, tendo gerado Adeodato, filho de um relacionamento de mais de uma década com uma jovem. Antes da conversão, ele procurou no paganismo filosófico e no maniqueísmo persa respostas para sua busca pela verdade e pelo bem. Além de Hipona, Agostinho viveu também em Tagaste e em Cartago, na África, indo para Roma no final do século quarto. Sua conversão aconteceu aos 30 anos de idade e foi influência da pregação de Ambrósio e da vida monástica. Ao ouvir uma voz de criança cantando "pegue-o e leia", entendeu que deveria ler o Novo Testamento e achou o caminho da Salvação em Romanos. Batizado em Milão, voltou para a África como um novo homem, tendo sido ordenado sacerdote e nomeado Bispo de Hipona. Logo no início enfrentou o Donatismo, que combatia a apostasia de bispos durante a perseguição e a ministração de sacramentos por eles. Enfrentou também o Pelagianismo, movimento posteriormente rejeitado pela igreja no Concílio de Éfeso. Pelágio defendia a liberdade do homem para agir de modo correto ou errado, rejeitando a herança do pecado adâmico. Assim sendo, entendia que era possível ao homem não pecar e rejeitava a doutrina da predestinação. Por experiência própria, Agostinho tinha convicções que contrariavam as ideias de Pelágio, que defendia a concepção histórica do autocontrole ascético. Ele sabia que a salvação depende somente da graça de Deus, através do novo nascimento.

A queda de Roma foi sua motivação para escrever a "Cidade de Deus”, obra que influencia o pensamento cristão até hoje. As cidades do mundo são unidas pelo amor às coisas temporais; na Cidade de Deus, o que une é o amor a Deus. A cidadania vivida e entendida pelo cristão nos dias de hoje remonta sua inspiração, em grande parte, à “Cidade de Deus” de Agostinho.

Em sua obra As Confissões, encontramos Agostinho procurando explicar as lutas e conflitos internos que enfrentou, empreendendo uma profunda investigação da própria alma, na sincera busca por Deus. Essa luta da mente e da alma somente cessa com a conversão a Cristo. Ele reconhece: “Buscava um meio que me desse força necessária para gozar de ti, e não a encontrei enquanto não me abracei ao Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que está sobre todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos, que chama e diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Um fator presente em toda a obra é a noção de que é Deus quem vem ao encontro do homem para alcançá-lo e salvá-lo.

A Reforma Protestante do século XVI deve a Agostinho o cerne de suas principais proposições, particularmente em questões como o pecado original, a graça de Deus, a salvação e a predestinação. Lutero, Calvino, Melanchton e outros encontraram na teologia agostiniana fundamento para o rompimento com o status quo da igreja romana e para afirmar a unidade do pensamento genuinamente cristão, que remonta aos ensinos dos Pais da Igreja e dos Apóstolos. Lutero disse: “No começo de minha carreira, como professor de teologia, eu não simplesmente lia Agostinho, mas devorava suas obras com voracidade”. Calvino afirmou em latim: “Augustinus totus noster est”, isto é, “Agostinho é todo nosso”. O historiador Justo Gonzalez lembra que, nas Institutas de Calvino “se manifesta um conhecimento profundo, não só das Escrituras, mas também de antigos escritores cristãos, particularmente Agostinho”; Calvino faz em sua obra centenas de citações de textos do bispo de Hipona. No período pós-Reforma, as gerações têm sido alimentadas pelas ideias e pensamentos de Agostinho. Ele é provavelmente o mais qualificado representante da igreja primitiva e permanece como uma das mentes mais importantes da história da fé cristã.

Em Agostinho, temos uma impressionante profundidade teológica, assertividade e firmeza doutrinária, intensa devoção a Deus, inquestionável respeito ao texto bíblico e genuína preocupação pastoral. O cardeal Ratzinger, posteriormente Papa Bento XVI, referindo-se a ele, disse: “Quando leio os escritos de Santo Agostinho, não tenho a impressão que se trata de um homem morto há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com sua fé vigorosa e atual”. Segundo ele,  Agostinho nos encoraja a confiarmos neste Cristo sempre vivo e encontrar nele o caminho da vida. Agostinho teve os seus limites e cometeu seus equívocos na sua interpretação das doutrinas cristãs, mas encontramos nele uma mente brilhante e um coração radiante, que ardia por amor a Deus, como pouco se pode encontrar ao longo da história.

ÍNDICE

Introdução 1.        O século apostólico 2.        Expansão, perseguição e defesa da fé 3.        Acusações e perseguição 4.        ...